A formação da maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) pela derrubada do marco temporal das terras indígenas, na quinta-feira (21), repercute entre comunidades de agricultores e povos originários no norte do RS. A região reúne diversos municípios com disputas na demarcação de terras, como Mato Castelhano, Ciríaco, Gentil, Marau, Água Santa e Pontão, entre outros.
Por 9 votos a 2, a maioria dos ministros definiu a inconstitucionalidade da tese, que diz que povos indígenas só poderiam reivindicar territórios ocupados por eles até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal.
Na quarta (27), a Corte define a tese final do julgamento que é crucial para os próximos passos das demarcações de terras indígenas. Outros pontos devem ser discutidos nesta data, como a possibilidade de indenização a proprietários que adquiriram terras de boa-fé e também se o pagamento seria condicionado à saída dos agricultores das áreas indígenas.
Apesar disso, lideranças indígenas da região classificaram a formação da maioria contra o marco temporal como uma conquista. Segundo o cacique Cláudio Kaingang, de Mato Castelhano, a mudança representa a perspectiva de um local para viver.
— Volta a esperança de ter onde viver, ter uma aldeia. Tudo depende da nossa movimentação, mas estamos nos preparando. Nossa área hoje está em processo de demarcação, então temos a volta dessa esperança, de ter acesso aos meios de sustento, a ter onde plantar, porque vivemos na beira do asfalto — disse.
Líder da comunidade indígena de Água Santa, a cacique Angela Kaingang também vê o reconhecimento do STF como uma forma de preservar os direitos dos povos originários.
— Foi uma grande vitória, só nos resta agradecer. Se está escrito na constituição, não vamos deixar escapar mais nada. Poderemos usufruir dos nossos territórios e ter essa garantia — afirmou.
Priscila Kokói Braga, uma das líderes da comunidade indígena de Ventara Alta, em Erebango, que bloqueou a RS-135 em protesto contra a aprovação da tese, afirmou que a decisão do STF marca um novo ciclo para os povos originários de todo o Brasil.
— Temos a garantia da proteção dos nossos territórios. Não somos nada sem a nossa mãe-terra. Muitos não entendem que não falamos sobre valor em moeda, mas sobre o valor que a terra tem para nossas culturas.
GZH procurou a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), mas não teve retorno até a publicação desta reportagem.
"Queremos ficar onde estamos", diz produtor rural
A presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais (STR), Marinês Scapini Penz, pede que cada contexto seja observado com cautela para que não ocorram injustiças contra os agricultores que vivem há décadas em suas propriedades.
— Na prática é muito preocupante, porque tem agricultores com propriedade há 80, 100 anos que adquiriram essas terras do Estado na época e hoje estão ameaçados. Outras terras deveriam ser realocadas para os indígenas. Porque isso é a vida da pessoa, não só uma questão de bens, é uma questão emocional — disse.
O presidente da Associação dos Produtores Rurais do Entorno da Floresta de Mato Castelhano (Profloma), Rudimar Caetano da Rosa, também vê a decisão do STF com preocupação.
— Estamos apreensivos, não sabemos o que fazer. Nos sentimos enganados pelo Estado, venderam algo que não poderiam vender e compramos de boa-fé. Não queremos indenização, queremos ficar onde estamos — defendeu.
Além da questão indenizatória, o STF também pode debater a possível autorização para exploração econômica das terras indígenas. Segundo a proposta do ministro Dias Toffoli, a produção da lavoura e de recursos minerais, como o potássio, poderiam ser comercializados pelas comunidades mediante aprovação do Congresso e dos indígenas.
A possibilidade, porém, é criticada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que afirma que a medida ameaça a sobrevivência dos povos. A próxima reunião do STF, na quarta-feira (27), começa às 14h.