A insegurança jurídica é o principal efeito apontado por entidades ligadas ao agronegócio da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que derruba a tese do marco temporal na demarcação de terras indígenas. Sem essa referência, argumentam, terras tituladas e regularizadas poderão estar sujeitas a novos processos, com o direito da propriedade colocado em xeque. Outro ponto colocado é o de que a votação atual contraria jurisprudência anterior do órgão.
— Sem um Marco Temporal, faltará a previsibilidade de condições e consequências para casos concretos. A própria discussão demonstra isso, visto que para a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (em Roraima, julgada em 2009), utilizou-se a tese. No entanto, no caso da Terra Indígena Morro dos Cavalos (em Palhoça, SC, agora avaliada), o STF se posicionou contra, trazendo um cenário de instabilidade para as relações jurídicas firmadas de boa-fé e validadas pelo próprio poder público — explica Ticiane Figueirêdo, sócia da área de Agronegócio do Souto Correa Advogados.
Consultor jurídico da Federação da Agricultura do Estado (Farsul), Frederico Buss observa que, no Rio Grande do Sul “as demarcações, invariavelmente, ocorrem em áreas tituladas há décadas, por vezes, mais de um século, e concedidos pelo Estado”. E acrescenta que, na maioria, são pequenas propriedades.
— Mesmo com o marco temporal havia a ressalva (a exceção) quando comprovado que os índios não estavam ocupando a área (naquela data) porque tinham sido impedidos (de estar ali) — completa o consultoA Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) do Congresso emitiram notas em que se dizem preocupadas com a decisão. Um projeto de lei que foi aprovado na Câmara e tramita no Senado estabelece a referência do Marco Temporal nas demarcações indígenas.
Veja a íntegra das notas:
Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)
A CNA vê, com muita preocupação, o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o marco temporal para a demarcação de terras indígenas.
A análise dos ministros modificou a jurisprudência até então consolidada da Suprema Corte sobre o tema.
A revisão dessa jurisprudência trará consequências drásticas para a atividade agropecuária e para as relações sociais, instalando um estado de permanente insegurança jurídica para toda a sociedade brasileira, incluindo nesse rol milhares de produtores rurais em todo o País.
O fim do marco temporal pode expropriar milhares de famílias no campo, que há séculos ocupam suas terras, passando por várias gerações, que estão na rotina diária para garantir o alimento que chega à mesa da população brasileira e mundial.
Temos a confiança de que o Congresso Nacional, assumindo a sua responsabilidade histórica e institucional de legislar, dará concretude à Constituição, conformando os direitos envolvidos e aprovando o Projeto de Lei nº 2.903/2023, em trâmite no Senado Federal, reestabelecendo a segurança jurídica e assegurando a paz social.
Frente parlamentar da Agropecuária
A FRENTE PARLAMENTAR DA AGROPECUÁRIA (FPA) manifesta sua completa irresignação com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 1017365/SC, que alterou sua própria jurisprudência e decidiu legislar sobre a regulamentação de dispositivo constitucional que estabelece de forma clara o marco temporal para demarcações de terras indígenas no Brasil.
Há muito se alerta para a violação à harmonia entre as funções do Poder. A decisão tomada demonstra que não é mais possível aceitar a expansão das atribuições do Judiciário, pois sequer respeita o texto constitucional e as balizas por ele próprio definidas em casos emblemáticos e paradigmáticos.
Avançar em matéria que está em fase final de análise no Parlamento, em especial sobre questão que impacta diretamente as relações sociais de brasileiros e brasileiras, é expor, para quem há de ver e ouvir, que a Constituição de 1988, instituidora de uma nova ordem jurídica, privilegiou índios em detrimento de todos os demais componentes da sociedade. Frisa-se, direito esse não apenas dos produtores rurais, mas de todos os cidadãos e dos entes federados, que inclusive pediram ao STF para aguardar o pronunciamento do Congresso Nacional.
A FPA, defensora assaz do direito de propriedade e das atribuições de seus componentes, defende e afirma que buscará a regulamentação de todas as questões que afetam esse direito no local adequado, ou seja, no Congresso Nacional.
Para que não reste dúvida, a FPA reafirma sua posição: o marco temporal em hipótese alguma retira direitos de indígenas, apenas garante um critério objetivo para fins de efetivação de uma política de demarcações, sem subtrair o direito de propriedade.
Portanto, mostra-se imperioso o avanço do PL 2903/2023, pois o Poder Legislativo, legitimado que é para a regulamentação da Constituição e garantidor da segurança jurídica, não está, nem poderia em qualquer Estado Democrático, vincula do a decisão de outra função do Poder.