Com mais de 18,6 milhões de Pessoas com Deficiência (PCD), o Brasil ainda é um país que marginaliza essa população, seja com preconceito, salários mais baixos ou desatenção a necessidades básicas, como dificuldade de acesso ao mercado de trabalho e ruas e calçadas inadequadas, por exemplo.
Essa realidade se transformou em uma bandeira de combate da Semana Nacional da Pessoa com Deficiência, realizada de 21 a 27 de agosto. A iniciativa, criada pela Federação Nacional das Apaes, chama a atenção para a necessidade de políticas públicas que possibilitem que esses cidadãos tenham autonomia, independência e exerçam plenamente seu direito constitucional de ir e vir.
Em Passo Fundo, no norte do RS, as vias públicas inadequadas integram as principais queixas das Pessoas com Deficiência. O empresário Antônio Carlos Laitharth, 65 anos, é um exemplo de quem passou a ver as ruas diferente depois que precisou amputar uma das pernas, em 2021, após uma trombose.
Ele sente na pele a realidade de ser um cadeirante e lembra as inúmeras vezes que precisa desviar de buracos nas calçadas, lidar com desníveis de assoalhos e até mesmo ir para as ruas e avenidas para conseguir se deslocar.
— Muitas vezes acabo andando mais junto aos carros pelo simples fato de muitos calçamentos estarem fora dos padrões mínimos para alguém com mobilidade reduzida, como eu, passar. Muitas pessoas fazem os acessos de garagens e não se preocupam em adaptar. O mesmo acontece em muitas quadras onde faltam rampas para subir ou descer. É complicado — disse.
A Associação Passo-fundense de Cegos (Apace) é uma das entidades que acompanha de perto os trabalhos feitos pelo poder público nas iniciativas que podem auxiliar na locomoção de quem tem alguma deficiência. Uma delas são as sinaleiras adaptadas com equipamento sonoro que sinalizam o momento de travessia.
— Muita coisa ainda precisa melhorar para evitar acidentes, assim como a conscientização da população em fazer sua parte, como não bloquear a calçada e deixar o espaço limpo para que a gente possa passar. Hoje, dos 10 sinais adaptados, apenas dois estão funcionando e de forma incompleta. Então temos que ter atenção a esses detalhes — afirmou Fábio Flores, presidente da entidade.
Acesso ao mercado de trabalho
As barreiras não são só nas ruas. Entrar no mercado de trabalho ainda é uma tarefa árdua para quem possui algum tipo de deficiência, seja ela física ou intelectual. Em setembro de 2022, um levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que sete em cada 10 pessoas com deficiência estão fora do mercado de trabalho.
Os dados, referentes a 2019, também apontaram diferença na questão salarial. Enquanto pessoas sem deficiência recebiam, em média, R$ 2,6 mil, o salário de PCDs ficava na média de R$ 1,6 mil.
Esse foi um dos motivos para a Apae de Passo Fundo desenvolver ações de incentivo e apoio ao trabalho. Um exemplo que ganhou destaque é o viveiro municipal. Com apoio de uma cooperativa, há três anos 52 usuários trabalham na produção de mudas nativas.
Eles são funcionários da empresa com carteira assinada e todos os direitos garantidos. É uma forma de dar autonomia e reconhecer as potencialidades individuais, como destacou Marlon Batista Moraes, presidente da Apae Passo Fundo.
— Mais do que algo previsto na legislação, falamos aqui de uma ação social. Dar espaço para que todos se desenvolvam, cresçam e mostrem que podem, sim, aprender e contribuir. Incentivamos espaços como esse e que as empresas despertem para esse lado sem preconceito, sem discriminação. Tudo é possível dentro de um mundo de possibilidades — comenta.
Aléxia Aparecida Soares Damo, 25 anos, é uma dos contratadas para o viveiro. Com o salário no fim do mês, ajuda nas contas da casa e paga a faculdade de Pedagogia que começou a cursar esse ano. A força de vontade supera a deficiência intelectual que tem. É apenas um detalhe em uma vida repleta de desejos e significado.
— Quero terminar a faculdade e falar para outras pessoas seguirem seus sonhos, não desistirem, a gente consegue. Compro minhas coisas, saio. Sou feliz.
O que diz o poder público
A secretaria de Obras de Passo Fundo afirma que fiscaliza os passeios e que, mediante denúncia, notifica os proprietários de imóveis para consertos. Em pouco mais de dois anos, 1.700 novos projetos de empreendimentos na cidade passaram por avaliação e indicação para construção que atenda a acessibilidade de todos os públicos.
Segundo o secretário de Obras, Rubens Astolfi, a lei define que o responsável pela conservação das calçadas é o dono da edificação, seja moradia ou ponto comercial.
— Quando é preciso passar por uma obra que vai interferir na via, já adotamos o novo modelo com as normas vigentes, com instalação de rampas, piso tátil e tipo de material a ser usado. No site da prefeitura de Passo Fundo existe uma modelo com todas as medidas e especificações para ajudar os engenheiros — afirmou.
Segundo a prefeitura, 10 cruzamentos do município possuem semáforos para pedestres. Desses, quatro possuem botoeiras para deficientes visuais.
"De fato, dois estão em manutenção. O [semáforo] da Sete de Setembro estamos concluindo um estudo de mudanças no trajeto dos pedestres para proporcionar mais segurança. Então, logo será atendido. Assim que for possível colocaremos todos em funcionamento", diz uma nota enviada pela secretaria de Segurança Pública de Passo Fundo.