A chuva recém parou e o cheiro de terra molhada ainda permeia o ambiente enquanto Leonísio Henn cruza os cerca de 500 metros que separam a soleira da porta de casa da lavoura de soja, no interior de Tapera, no norte do Rio Grande do Sul. Ao lado do filho Cristhian, o agricultor observa com orgulho as plantas viçosas, com cerca de 80 centímetros de altura, três vezes maior do que a plantação do vizinho, logo ali ao lado.
— Nós investimos bem, adubamos bem e colhemos bem. Vão achar que estou mentindo, mas tenho tirado, em média, de 75 a 80 sacas de soja por hectare nos últimos anos — afirma Henn.
Em um Estado assolado por sucessivas estiagens e cuja produtividade média da soja num ano de boas chuvas fica na casa das 50 sacas por hectare, o produtor é um caso raro não só pela colheita de verão, mas também pelo que tira do solo no inverno. Há pelo menos três décadas, Henn semeia trigo na área antes ocupada pela oleaginosa, mantendo a terra cultivada o ano inteiro.
Essa tem sido uma das principais bandeiras de entidades de pesquisa e fomento ao agronegócio no Estado. Capitaneado pela Farsul, o programa Duas Safras estimula produtores a aderirem ao movimento, projetando incremento de R$ 32 bilhões no Produto Interno Bruto (PIB) do Rio Grande do Sul em 10 anos. No Planalto Médio, a prática é comum há muito tempo, diante da tradição regional no plantio do trigo — Passo Fundo era conhecida como a capital nacional do trigo na década de 1950. Nos últimos anos, a área plantada voltou a crescer, a partir da valorização do produto e pela crescente demanda do mercado.
— A região não tem mais capacidade de extensão das áreas de soja, mas a tendência é de continuar crescendo nas culturas de inverno. O pessoal está entusiasmado porque o preço do trigo melhorou — afirma o presidente do Sindicato Rural de Passo Fundo, Carlos Alberto Fauth.
Há quatro anos, o Estado tinha cerca 700 mil hectares de trigo, metade da área atual, estimada em 1,4 milhão de hectares. Em 2022, o Brasil atingiu recorde na safra de trigo, com 10 milhões de toneladas. O volume se aproxima do valor histórico de demanda interna, estimado em 12 milhões de toneladas.
Sediada em Passo Fundo, a Embrapa Trigo é pioneira no sistema de plantio direto e trabalha em diferentes linhas de pesquisa para aumentar a produtividade e disseminar ainda mais a adesão às duas safras. Sendo o chefe-adjunto de Transferência de Tecnologia da unidade, Giovani Faé, há 40 pesquisadores dedicados ao estudo de manejo do solo, fitopatologias, controle de pragas e melhoramento genético.
— São programas transversais que trazem soluções para dar segurança e mais lucratividade ao produtor. Temos capacidade de intensificar mais de 6 milhões de hectares no Estado. É rotação e sinergia, com operação 365 dias ao ano. O casamento é genética de qualidade com manejo eficiente — explica Faé.
O objetivo é dobrar a área gaúcha destinada às culturas de inverno, passando de 20% para 40% do território ocupado pela soja no verão. Para tanto, além da Embrapa, atuam na região empresas e organizações privadas com foco na pesquisa e na inovação.
O cruzamento genético que fazemos hoje vai chegar ao agricultor daqui a 10 anos. É o que a gente vê é um mercado com grande potencial de expansão.
OTTONI ROSA FILHO
Um dos sócios-diretores da Biotrigo Genética
Fundada em 2008, a Biotrigo Genética começou com seis funcionários trabalhando numa casa de 600 metros quadrados. Quinze anos depois, são 120 colaboradores espalhados pela sede de 10 mil metros quadrados em Passo Fundo. Com filiais no Paraná e na Argentina, a empresa mantém 80 campos experimentais onde são desenvolvidas 1,6 mil amostras. Cerca de 50 pesquisadores (10% com doutorado) têm dedicação exclusiva à criação de novas variedades, seja para destinos tradicionais, como produção de farinha e cevada, mas também para novas janelas do mercado agrícola, como silagem e etanol feitos a partir de trigo. Já são 20 cultivares lançadas, entre elas a TB Ponteiro, a semente tritícola mais plantada no Brasil.
— Sempre procuramos olhar lá na frente. O cruzamento genético que fazemos hoje vai chegar ao agricultor daqui a 10 anos. É o que a gente vê é um mercado com grande potencial de expansão — afirma um dos sócios-diretores, Ottoni Rosa Filho.
Tecnologia nas propriedades rurais
Enquanto a Biotrigo trabalha com inovação antes da porteira, o Tecnoagro foi concebido para disseminar tecnologia dentro das propriedades rurais. Trata-se de uma associação na qual 22 empresas do norte gaúcho buscam desenvolver ferramentas que conciliem ganhos de produtividade com maior preservação ambiental.
O solo ocupado mantém o maquinário funcionando, o empregado trabalhando. Tudo gira e todo mundo ganha dinheiro. Eu nunca deixo de fazer duas safras por ano. Num ano bom, chego a fazer três.
LEONÍSIO HENN
Agricultor do interior de Tapera
Abrigado no Parque Científico e Tecnológico da Universidade de Passo Fundo (UPF), o Tecnoagro ainda está em fase embrionária, fazendo diagnóstico, estruturação e mapeamento do ecossistema agrícola da região. Todavia, já há linhas de atuação, sobretudo no combate ao déficit hídrico e na agricultura de hiperprecisão, com desenvolvimento de sistemas de produção que retêm até cinco vezes mais a água da chuva e reduz em 40% o consumo de fertilizantes.
— Temos ativos tecnológicos gigantescos na região e não nos dávamos conta de como nos irmanar. O Tecnoagro vem fazer essa junção — define o diretor-executivo, Evandro Martins.
Encarapitado nos 120 hectares da propriedade familiar em Linha São João, no interior de Tapera, Leonísio Henn esboça um sorriso ao comentar as novas descobertas tecnológicas do agro. Plantando num modelo de rotação pelo qual semeia milho, feijão, trigo e cevada depois da colheita da soja, ele busca estar sempre produzindo na terra.
— O importante é focar em diversificação, agregar renda. Ano passado, cheguei a colher 97 sacas de trigo por hectare, quando o normal é 65, 70. O solo ocupado mantém o maquinário funcionando, o empregado trabalhando. Tudo gira e todo mundo ganha dinheiro. Eu nunca deixo de fazer duas safras por ano. Num ano bom, chego a fazer três — comemora.