Em 20 de agosto de 1965, moradores Passo Fundo, no norte gaúcho, acordaram com uma paisagem atípica que fez a cidade parar por um dia: o inverno trouxe uma nevasca que pintou de branco ruas, telhados, árvores e veículos da cidade. Naquele dia, aulas precisaram ser canceladas por conta do grande volume de neve e as crianças aproveitaram a folga para brincar no gelo que se formou nas praças.
Uma dessas crianças era Ricardo Bertoldo Lângaro, à época com seis anos. Apesar do tempo gelado, ele lembra que não sentiu frio, tamanha a empolgação ao fazer bonecos de neve e guerras de bolinhas junto da família. Hoje com 65 anos, o dia gelado segue no registro da memória e de uma película em vídeo registrada por seu pai, Raul Bertoldo Lângaro.
— Eu olhei de manhã pela janela e vi tudo branco, e foi daquele jeito até a tardinha. Víamos os flocos descendo, flutuando, numa calmaria. Mas quando olhava pro lado, tudo tinha mudado, tudo estava carregado de neve. A euforia foi tamanha que eu não senti frio nenhum — conta.
O vídeo gravado por Raul (assista acima) agora é parte do acervo do Instituto Histórico de Passo Fundo (IHPF). Nas imagens é possível ver várias partes da cidade, em especial a Avenida Brasil, Rua Bento Gonçalves e a Praça Marechal Floriano (Praça da Cuia) cobertas de neve.
Naquele dia, a temperatura chegou a -0,6ºC às 12h. No fim da tarde, às 18h, os termômetros seguiam marcando 0ºC, o que permaneceu até a meia-noite. No dia seguinte, 21 de agosto, a temperatura subiu um pouco: fez 3,6ºC ao meio-dia.
A nevasca não foi exclusiva de Passo Fundo: entre 19 e 20 de agosto de 1965, várias cidades do Rio Grande do Sul, como Caxias do Sul e Cruz Alta, registraram o fenômeno. À época, a neve caiu por 20 horas seguidas e transformou os cenários desses municípios gaúchos.
Fotografias e imprensa registraram dia histórico
Fotografias da época mostram um cenário quase inimaginável para Passo Fundo hoje (veja acima). Nos registros, é possível ver a Praça da Cuia com o chão todo branco e árvores cobertas de neve. Os telhados das casas ficaram completamente tomados pela chuva gelada, que cobriu carros estacionados nas ruas.
Apesar das belas e inusitadas paisagens, a imprensa repercutiu os problemas causados pelo clima extremo. O jornal Diário da Manhã deu a manchete "Passo Fundo ainda sob o impasse de uma catástrofe", que informou sobre as cerca de 200 pessoas que ficaram desabrigadas por causa da neve. Como consequência, buscaram refúgio nos CTGs Lalau Miranda e Getúlio Vargas.
Os jornais também noticiaram prejuízos na agricultura e pecuária. Isso porque, além da neve, o período foi bastante chuvoso, o que contribuiu para a piora nos estragos. "Prossegue a reconstrução em Passo Fundo", anunciava outra reportagem, que falou da retirada de entulhos acumulados nas ruas além de problemas nas linhas telefônicas. A parte menos "encantadora" do fenômeno também ficou guardada nas lembranças de Lângaro.
— No final do dia começamos a ver as consequências da natureza. Lembro que animais morreram na nossa chácara, inclusive nosso cavalo Pangaré, porque buscaram abrigo, mas as árvores não aguentaram o peso de tanta neve e caíram. Fios também se romperam e houve falta de luz — relatou, sem jamais esquecer do dia histórico.
Para o inverno de 2024, que começa nesta quinta-feira (20), a previsão é de chuva regular e temperaturas dentro ou abaixo da média entre junho e setembro — mas sem previsão de neve como a que tivemos em 1965.