O Brasil amarga 14,4 milhões de desempregados e outros 6 milhões de desalentados, contingentes que, somados, representam um número superior à população do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. Com a economia cambaleante, em crise praticamente crônica desde o início da recessão de 2015 e 2016, a miséria e a fome aumentam a olhos vistos no país, assim como no Estado. Mas, mesmo diante do quadro de extrema dificuldade atravessado por boa parte dos brasileiros, há deputados federais que, alheios à realidade, não se fazem de rogados no momento de gastar dinheiro público sem qualquer parcimônia, como é o caso de alguns gastos com aluguel de carros por parlamentares gaúchos, mostrado pela colunista Rosane de Oliveira.
Há deputados federais que, alheios à realidade, não se fazem de rogados no momento de gastar dinheiro público sem qualquer parcimônia
Os deputados federais do Rio Grande do Sul despenderam R$ 3,3 milhões com a locação de veículos nos últimos 27 meses. Além do aluguel de carros de luxo, há o caso do parlamentar Nereu Crispim (PSL). Sozinho, gastou espantosos R$ 250 mil e justo em um período que compreendeu a pandemia, em que os deslocamentos deveriam ser menores, substituídos por meios virtuais para o contato com eleitores.
Não se trata de questionar a legalidade do aluguel dos veículos, mas a moralidade dos desembolsos em dias de tantas privações da população, a pagadora dos impostos que custeiam uma série de mordomias injustificáveis em tempos de bonança e ainda mais questionáveis em uma época de aumento da pobreza, falta de trabalho e repique da inflação, especialmente dos alimentos. Esperava-se, dos representantes da população, um maior discernimento em relação ao quadro de penúria atravessado pelos brasileiros e conexão com a realidade, utilizando as verbas a que têm direito com maior comedimento.
O episódio se soma a outros recentes como a elevação em 170% do limite de reembolso de despesas médicas de deputados na rede privada de saúde, decidida pelo presidente da Câmara, Arthur Lira. O valor passou de R$ 50 mil para R$ 135,4 mil, e isso que os parlamentares já contam com um plano de saúde que permite atendimento em hospitais privados.
O parlamento é um dos pilares da democracia e, a despeito de serem passíveis de críticas, deputados e senadores são protagonistas do regime e atores essenciais no sistema de freios e contrapesos que equilibra o jogo dos poderes no Brasil. Institucionalmente, portanto, o Congresso precisa sempre ser defendido. Mas cabe aos representantes do povo compreender as vicissitudes pelas quais passam seus representados e, assim, atuar com maior austeridade em seus gastos, como demonstração de respeito à população e ao dinheiro público, sem prejuízos às suas atividades. Devem também entender o valor de preceitos como o da transparência e a importância da fiscalização por parte da imprensa, dos órgãos de controle ou mesmo de eleitores, para serem cobrados sempre que existir desvio ou exagero. Quem não absorve esse princípio, infelizmente, se mostra desprovido do verdadeiro espírito democrático.