É estarrecedor o caso dos desvios de recursos da prefeitura da pequena cidade de Dom Pedro de Alcântara, mostrado pelo repórter Giovani Grizotti, no domingo, no Fantástico. Foi mais assombrosa ainda a facilidade com que o servidor acusado agiu ao longo de cerca de um ano, transferindo verbas do município para a sua conta bancária pessoal. De acordo com a versão conhecida, o tesoureiro, agora indiciado por peculato, tinha diversas senhas de outras pessoas e as usava para as transações. Espanta sobretudo a demora para o crime ser percebido pela administração, indicando uma preocupante falta de controles internos adequados para evitar o desfalque de R$ 8 milhões, o equivalente a metade do orçamento da prefeitura. Muito dinheiro, portanto.
É bem possível que o tesoureiro acabe punido pela Justiça, mas, para os moradores e contribuintes da cidade, pode ser tarde demais
O Rio Grande do Sul é formado por centenas de pequenos municípios e, apesar do caso inusitado de Dom Pedro de Alcântara, seria conveniente que o episódio servisse como um alerta generalizado para que se busque verificar a eficiência dos sistemas internos de controle e fiscalização para evitar situações semelhantes, mesmo que bem menores. Ou então para reforçar essas travas. O servidor acusado de cometer o golpe certamente se encorajou a levar adiante o desvio por perceber as brechas por onde poderia agir. E, por ser conhecido na comunidade, contava com uma confiança que se mostrou indevida. Essas possíveis falhas ou fragilidades, é preciso ressaltar, em nada alteram o caráter de vítima da prefeitura ou atenuam a conduta inqualificável do servidor indiciado.
O resultado do surpreendente fato sucedido em Dom Pedro de Alcântara, município de 2,5 mil habitantes do Litoral Norte, será a precariedade dos serviços básicos. Estudantes que voltam às aulas podem ficar sem merenda e transporte. Faltam remédios na farmácia da prefeitura, não há recursos para consertar estradas e haverá dificuldade para tocar obras essenciais. Até recursos do fundo de previdência foram desviados.
É bem possível que o tesoureiro acabe punido pela Justiça, após a investigação conduzida pela Polícia Civil. Mas, mas para os moradores e contribuintes da cidade, pode ser tarde demais. Se for verdadeira a história contada por ele, de que usou o dinheiro para tentar recuperar prejuízos que teve no mercado financeiro e acabou perdendo todo o montante outra vez na especulação, será difícil a administração reaver os recursos que hoje fazem falta para uma série de serviços essenciais para os cidadãos. Mais uma razão a mostrar a importância de mecanismos próprios das gestões locais para impedir tentativas semelhantes, outros atos de corrupção e tentar detectá-los no nascedouro, antes que seja necessária a atuação de agentes externos, como polícia, Ministério Público ou Tribunal de Contas do Estado.