Planalto e Congresso devem ter consciência e celeridade para consertar a excrescência do orçamento federal de 2021, aprovado pelo parlamento após uma estranha negociação entre os dois poderes que resultou em uma aberração cuja paternidade agora é rejeitada por ambos. Abstraídos da realidade, deputados e senadores consentiram com uma peça tragicômica em que fizeram desaparecer, como em um truque de ilusionismo, a previsão de pagamento de R$ 26 bilhões de despesas obrigatórias. Tudo para engordar emendas que passariam a ser de um valor inédito de R$ 48,8 bilhões, sem qualquer pudor. Ocorre que as obrigações, como benefícios previdenciários e abono salarial, entre outras, inexoravelmente aparecerão e terão de ser pagas.
Espera-se que o respeito às contas públicas vença a queda de braço travada com a politicagem comezinha
A primeira tentativa de começar a desfazer a confusão foi insuficiente. Após vários alertas de que a série de manobras contábeis pode até implicar o presidente Jair Bolsonaro em crime de responsabilidade se sancionar o orçamento, o relator da peça, senador Marcio Bittar (MDB-AC), concordou em retirar R$ 10 bilhões das emendas, alegando que, assim, cumpriria um acordo com o ministro da Economia, Paulo Guedes, para a aprovação da PEC Emergencial. Guedes nega a negociação nesses termos e entende que o corte precisa ser maior. E precisa, de fato, sob pena também de faltarem recursos para gastos básicos da máquina pública.
A matemática alternativa que surgiu da colaboração do Congresso com o Executivo é uma nítida burla à Lei de Responsabilidade Fiscal e fatalmente fará o teto de gastos voar pelos ares. Para cumprir a regra que limita o crescimento dos gastos à inflação, seria preciso bloquear R$ 31,9 bilhões de despesas não obrigatórias, estima a respeitada Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado. Fake, inexequível e maquiado são apenas alguns dos termos atribuídos ao orçamento por especialistas. Se este não for alterado e o juízo não for recobrado, o sinal passado é o do desdém com as finanças públicas, aumentando a desconfiança dos agentes da economia e piorando indicadores como juro, câmbio e risco Brasil, com reflexos na economia real.
Por enquanto, persistem o impasse e o imbróglio jurídico e político. De um lado, os reiterados alertas inclusive da equipe econômica sobre os riscos. De outro, a pressão do centrão, que quer manter a gorda distribuição de verbas destinadas a obras espalhadas para os seus currais, uma clara intenção de fazer prevalecer interesses eleitorais, de olho em dividendos no pleito do próximo ano. Espera-se que o respeito às contas públicas vença a queda de braço travada com a politicagem comezinha. Sem novo recuo do parlamento, aguarda-se que o presidente Jair Bolsonaro abandone a dubiedade, cerre fileiras do lado da responsabilidade e vete ao menos parcialmente o orçamento de 2021, mesmo que precise desagradar a seus insaciáveis aliados no Congresso.