Em um Brasil polarizado e com as cicatrizes eleitorais abertas e em constante inflamação, o inimigo agora não tem ideologia. Ele não é "comunista" e nem "fascista" e não tem origem em qualquer conspiração mirabolante. É, sim, um vírus que avança mais rapidamente em territórios incapazes de abdicar da luta política a qualquer custo, mesmo que sobre pilhas de cadáveres.
Nenhum vírus tem o condão de suprimir o livre debate e o funcionamento pleno das instituições. Ao contrário, os brasileiros estão sendo postos à prova. São em momentos de severidade, como os atuais, que se distingue quem coloca acima de seus interesses ideológicos e eleitoreiros os valores maiores da democracia e da civilização _ liberdade, fraternidade e igualdade, legados pela Revolução Francesa.
O que se espera dos líderes políticos de todos os matizes do Brasil é que baixem as armas. E que as naturais e previsíveis discordâncias se travem dentro dos limites que respeitem a busca pelo bem maior da preservação de vidas, como, aliás, vêm dando mostras muitos governos e parlamentos Brasil afora, no Rio Grande do Sul inclusive. No entanto, aqui e ali eclodem os sintomas dessa doença ideológica que contagia o organismo político e enfraquece o sistema imunológico nacional de união das instituições que, neste momento, deveriam estar todas concentradas unicamente no combate ao vírus. Foi o caso, por exemplo, do desnecessário tuíte do deputado federal Eduardo Bolsonaro atacando a China por ter escondido ou ignorado os sinais do alvorecer de uma potencial epidemia. Um ataque totalmente descolado das verdadeiras urgências nacionais e que em nada ajuda. Pelo contrário, cria uma nova frente de tensão.
Por mais críticas que mereça o regime chinês por sua política de supressão da livre expressão e da democracia, a hora não é de cevar inimizades ou confrontos inúteis. O fato é que o Brasil precisa de uma permanente boa relação com a China, não só pela relevância econômica, sobretudo para o agronegócio gaúcho, mas agora também pela premente necessidade de contar com apoio médico, material e científico para combater a covid-19.
Da mesma forma, trata-se de uma irresponsabilidade à esquerda e à direita se levantar, em meio a uma guerra contra um inimigo invisível, uma fatigante polêmica sobre impeachment, visando a erodir ainda mais a já desgastada autoridade presidencial. A população brasileira, neste momento, precisa que seus líderes políticos, nos Executivos e Legislativos, cerrem fileiras na batalha pela vida e pela mitigação dos estragos econômicos que virão com uma provável recessão. O momento atravessado pelo país, tanto pela pandemia quanto pela sucessão de crises que se somam nos últimos anos, talvez não tenha paralelo na História nacional. Esta mesma História vai julgar os homens e mulheres de hoje por suas atitudes. O foco e a energia do Brasil devem ser dirigidos a um inimigo comum. É um vírus, organismo que não segue nenhuma doutrina de pensamento e sequer se preocupa com a próxima eleição.