Por Pedro Dutra Fonseca, professor titular do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFRGS
Em Davos, ficou patente a incompatibilidade da política externa liberalizante, defendida pela área econômica, e o antiglobalismo do Itamaraty. A retaliação saudita na importação de frangos mostrou seu custo em área onde o pragmatismo sempre nos trouxe melhores resultados, fato que ilustro com dois exemplos (de governantes gaúchos – coincidência?).
Na década de 1930, o nazi-fascismo encantava. Nada parecia sobrepujar a tecnologia e o militarismo alemão. As democracias afundavam na crise. As elites locais dividiam-se, o que se refletia no próprio ministério de Vargas. Este parecia contemporizar, mas já antes da guerra sinalizava pender para o lado americano ao proibir sedes do Partido Nazista e propagandas em alemão nas colônias. Depois, por baixo do pano, autorizou Osvaldo Aranha a costurar acordo de cooperação com os EUA. Muitos denunciaram a contradição do regime autoritário e anticomunista do Estado Novo em aliar-se a EUA e URSS, mas a lógica era o pragmatismo: Vargas apostava que, para o Brasil, esta era a aliança que traria melhores resultados a longo prazo. A Argentina fez a aposta contrária e deu no que deu. Foi na guerra que o PIB brasileiro ultrapassou o dos hermanos.
Diante do “choque do petróleo”, em 1973, o governo Geisel recusou o ajuste recessivo e optou por substituir importações em áreas estratégicas e alterar a matriz energética, pois mais de 80% do petróleo era importado. Para isso, teria que mudar a política externa. Tal crise diferia daquela dos anos 1930, pois nem todos estavam quebrados: nos países exportadores de petróleo havia até excesso de liquidez – os “petrodólares”. Assim, aproximou-se dos países árabes, apoiou a descolonização de Angola e Moçambique e fez acordo nuclear com a Alemanha – medidas que não agradaram aos EUA. Era o “pragmatismo responsável”, expressão criativa cujo adjetivo lembrava que as opções pragmáticas prevaleceriam, embora sem ferir a posição pró-Ocidente na Guerra Fria (não reataria com Cuba, por exemplo, já que esta não tinha nem dólares, nem petróleo).
Pautar a política externa por ideologização é luxo de países líderes. Aliás, nem esses players circunscrevem sua diplomacia a palavras de ordem. Ou alguém acredita que EUA, China ou Rússia se movem por ideias abstratas, independentes de seus interesses econômicos e geopolíticos?