Nos dias que antecederam o início do Carnaval, quase todos os brasileiros comentavam, em tom de crítica, como poderíamos nós, o povo, esquecer tudo que está se passando no país, da corrupção escancarada e sem precedentes à má gestão da coisa pública onde quer que se escolha olhar, e alegremente dedicarmos dias inteiros à folia de Baco.
Daí porque ninguém pareceu acreditar quando uma escola adotou em seu samba-enredo e desfile um tom politicamente ácido. Claro, vampiresca alegoria ao presidente teve papel, bem como alusão à corrupção e muitas coisas outras.
Surpreendeu céticos e, até mesmo, crentes o que se passou na Sapucaí.
Sabemos como se dá o financiamento da maioria das escolas de samba, mas deixando a ironia de lado, notei um outro aspecto curioso, cômico até. Talvez o desfile da GRES Paraíso da Tuiuti tenha sido o primeiro protesto no Brasil a gozar de consenso tanto de organizadores como da polícia sobre o número de participantes.
Oxalá consigamos retomar impulso e, sobre esse consenso, voltar nossa energia ao indispensável movimento social de indignação, inadmissibilidade e irresignação contra malfeitos e lesões que nos vêm sendo infligidos por aqueles que escolhemos (mal) para nos conduzir ao desenvolvimento.
Passada a Quarta-Feira de Cinzas, em um ano eleitoral, mais do nunca precisamos nos organizar para ajudar a fênix brasileira a renascer de suas cinzas.
Enquanto focamos totalmente no exercício catártico da festa pagã, nossos vizinhos argentinos, e até os norte-americanos, aprovaram reformas tributárias, reduzindo alíquotas do imposto de renda das empresas, tornando seus países mais atraentes para o investimento externo e permitindo que suas empresas se tornem mais competitivas no mercado global.
Nós ainda não conseguimos terminar sequer a reforma trabalhista, que se assemelha às baterias das escolas de samba, mesmo que não devesse. Entrou na avenida, fez uma progressão inicial e, ao meio do desfile, recuou e ainda estamos todos na expectativa do que virá a seguir: a retomada do desfile ou um erro catastrófico de evolução.