Em um Carnaval considerado histórico, os desfiles do Grupo Especial do Rio de Janeiro foram uma versão festiva e colorida das manifestações que têm marcado o dia a dia dos brasileiros. Com representações explícitas da realidade de corrupção, violência e falta de investimentos em áreas sociais, as passagens das escolas Paraíso do Tuiuti, Mangueira e Beija-Flor conseguiram levar sua mensagem adiante.
Para Cláudio Brito, comentarista de GaúchaZH que acompanhou os dois dias de folia direto do Sambódromo da Sapucaí, as apresentações deste ano são um marco na história da maior festa brasileira.
— De hoje em diante, as coisas serão diferentes. A Paraíso do Tuiuti toca em uma ferida que está na raiz de tudo: a falcatrua que foi a Lei Áurea, que na verdade foi um descarte de escravos, tudo, toda a discriminação, o que há de ruim no plano social parte daí — opinou durante o programa Gaúcha Atualidade.
Se no ano passado a escola pobre de São Cristóvão foi notícia após um trágico acidente que deixou uma pessoa morta e várias feridas, desta vez as manchetes destacaram a coragem de tocar em assuntos tão delicados e nem sempre debatidos nesse período festivo.
— Eles são de uma comunidade carente, de operários e, claro, que tem pessoas trabalhadoras e sofridas que estão clamando como o Tuiuti está clamando pela ausência do Estado. Contra tudo isso, o Tuiuti verberou, gritou e apresentou um samba incomparável.
Para o jornalista Renato Dorneles, o fato de o Sambódromo ter virado palco de uma das mais contundentes manifestações dos últimos anos é reflexo de uma radicalização recente nos discursos de representantes políticos e religiosos, que inclusive chegaram a atacar a festa brasileira.
— Quando há radicalização nos discursos, o Carnaval tende a responder, como uma manifestação que une a cultura popular à parte da academia — observa o jornalista.
A Beija-Flor, que fechou a segunda noite de desfiles, também levou à Sapucaí símbolos referentes à Petrobras e às empreiteiras, que fazem parte do cotidiano dos telejornais nacionais.
— Mas ela também está recebendo críticas daqueles que dizem "isso não é para carnavalizar, isso é para outro momento". Veja só: a Beija-Flor mostrou a pobreza como a pobreza é e chocou com caixões que se abriam e, ali, estavam soldados mortos, filhos de mulheres de favelas, a reprodução das cenas vistas no Realego — completou o comentarista.
Sobre a crítica de que o Carnaval deveria ser uma festa que se coloca à parte de grandes reflexões, Renato Dorneles ressalta que, na verdade, é exatamente o oposto: a folia, como uma manifestação cultural, pode refletir problemas sociais ou movimentos de mudanças na sociedade.
— Ao contrário do que dizem, o Carnaval está longe de ser um momento de alienação ou despolitização. É e deve ser uma manifestação cultural aberta ao pensamento crítico e reivindicativo, não panfletário. Isso tem que ocorrer em blocos, bandas burlescas e enredos de escolas de samba — defende.
Brito confessa que adoraria ver no desfile das campeãs as escolas que levantaram a bandeira do protesto: Tuiuti, Mangueira e Beija-Flor.
— Não foi só quem desfilou que fez uma passeata em ritmo de samba, quem estava nas arquibancadas, nas frisas, nos camarotes também se integrou. Este ano vai representar o ano que nunca mais vai permitir retroceder.