Por Carlos Eduardo Richinitti, desembargador do TJRS
A inteligência artificial generativa revolucionará a interação do ser humano com o mundo como talvez nenhuma outra inovação na história. Se, de um lado, essa perspectiva entusiasma com suas promessas, também assusta com um horizonte desconhecido.
O Judiciário não escapará dessa revolução. Nós, enquanto operadores do direito, precisamos ter muita cautela diante da infiltração da tecnologia na atividade judicial, que deve ser sempre norteada por vieses éticos e humanistas — jamais sucumbindo à tentadora possibilidade de produzir mais com menos esforço.
Dos mais de 80 milhões de processos que compõem o acervo judicial no Brasil, a maior parte é formada por ações massificadas. De origem multifatorial, o fenômeno passa, principalmente, pela absoluta ineficiência das agências reguladoras, que obrigam consumidores do sistema bancário e dos serviços de água, luz e saúde a buscarem no Judiciário alguma solução para seus problemas. Isso resulta que o juiz, em um sistema custoso e irracional, tenha que dizer milhares de vezes, em instâncias diversas, a mesma coisa.
O direito fundamental de buscar justiça em conflitos que interferem no próprio núcleo essencial da vida — liberdade, família, saúde, reparação a quem não consegue dormir à espera de justiça — jamais pode ser delegado à frieza da máquina
É precisamente no ponto das demandas massificadas que vejo profícua a utilização da inteligência artificial como apoio no ato de julgar. Nesses casos, a IA substituirá a IE (inteligência do estagiário) na troca de cabeçalhos em modelos pré-prontos, permitindo maior foco e efetividade naquelas ações que realmente deveriam estar no Judiciário.
Não tenho dúvidas de que, quanto maior se mostrar a acurácia da máquina, mais nos veremos tentados a apertar um botão para obter decisões variadas. Problemas que envolvem complexidade humana, contudo, devem sempre ser julgados por pessoas dotadas de inteligência sensível, nunca por algoritmos cujos códigos e regras são de domínio de poucos.
O direito fundamental de buscar justiça em conflitos que interferem no próprio núcleo essencial da vida — liberdade, família, saúde, reparação a quem não consegue dormir à espera de justiça — jamais pode ser delegado à frieza da máquina. Problemas humanos devem ser julgados por juízes humanos — quanto mais humanos, melhor.