O consórcio de jornalismo investigativo internacional Pandora Papers expôs no domingo (3) os US$ 9,55 milhões mantidos pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, na empresa chamada Dreadnoughts International, nas Ilhas Virgens Britânicas, um paraíso fiscal no Caribe.
A existência de offshores no nome do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, também foi revelada pela investigação, que teve como base documentos vazados de 14 escritórios internacionais de abertura de empresas em paraísos fiscais no Exterior. As matérias citam figuras públicas como políticos e até cantores e monarcas.
Seja em ilhas ensolaradas ou em terras menos exóticas, os esquemas financeiros que se utilizam de empresas com vantagens fiscais (offshore) revelados pelos Pandora Papers estão no centro das estratégias para que os clientes ricos possam esconder sua fortuna.
Confira o que se sabe até agora sobre empresas offshore e os Pandora Papers:
O que é uma empresa "offshore"?
É uma companhia criada em um país ou território no qual o beneficiário não reside, mas cujas vantagens são, frequentemente, de três tipos: discrição, regulamentação flexível e um regime tributário atraente.
O termo "offshore", que significa literalmente "fora da costa", referia-se historicamente à domiciliação dessas empresas em paraísos fiscais insulares, que baseavam seu modelo econômico na oferta de serviços financeiros.
O termo continuou sendo utilizado, embora, muitas vezes, essas companhias estejam radicadas na atualidade longe dos trópicos, como no estado de Dakota do Sul, no norte dos Estados Unidos, às quais se referem os Pandora Papers. Além disso, a investigação cita empresas sediadas nas Ilhas Virgens britânicas, em Belize e Singapura, entre outros.
Ao contrário das filiais internacionais das empresas, as companhias offshore não exercem nenhuma atividade econômica no território em que estão domiciliadas.
O capital investido em empresas e contas bancárias offshore representaram 10,4% do PIB mundial em 2016, segundo as últimas cifras disponíveis da Comissão Europeia.
Para que servem?
"Existem muitas razões" para se recorrer a elas, explicou à AFP Ronen Palan, professor de Política Econômica Internacional da Universidade de Londres:
— Guardar segredo ante as autoridades fiscais, ante os competidores, ante sua esposa, seu esposo. O uso dessas estruturas tem como objetivo guardar algum tipo de segredo.
Em uma economia globalizada, este tipo de configuração pode ser útil aos grandes grupos, para fins de otimização fiscal.
Seu caráter sigiloso também oferece a seus beneficiários a possibilidade de ocultar ativos das autoridades fiscais ou participar em atividades ilegais, como corrupção, tráfico de drogas, armas etc, e o financiamento do terrorismo.
É legal?
Não há proibição para se criar uma sociedade offshore, mas é necessário declará-la às autoridades fiscais do país onde o beneficiário reside e, se for o caso, pagar os impostos correspondentes por esses ativos.
Nas revelações dos Pandora Papers, há casos de supostas ocultações desses esquemas às autoridades, avaliados em milhões de dólares, mas também há estratégias de otimização fiscal que são legais.
Os 11,9 milhões de documentos que o consórcio de investigação trouxe à tona colocam em dúvida a moralidade de algumas decisões, como o recurso à otimização fiscal por parte de dirigentes políticos que pregam a exemplaridade, ou a legalidade de esquemas financeiros que privam as autoridades fiscais de somas consideráveis e agravam as desigualdades.
Qual é o papel dos intermediários?
Escritórios de advogados, contadores e especialistas tributários são peças fundamentais da engrenagem dos esquemas financeiros offshore, e suas atividades têm sido questionadas nas revelações.
Também há suspeitas dos cartórios, por, supostamente, não terem verificado com suficiente precisão a origem dos recursos na venda de propriedades.
Após o escândalo dos Panama Papers em 2016, cujo foco esteve sobre o escritório de advocacia panamenho Mossack Fonseca, os Pandora Papers apontam até 14 sociedades de serviços financeiros e contabilizam mais de 29 mil empresas com vantagens fiscais.
Como regulamentar melhor esta prática?
Segundo Gabriel Zucman, professor na Universidade de Berkeley, na Califórnia, e citado no comunicado, "parece evidente que as empresas de fachada, que não possuem substância real e cujo propósito é apenas evitar taxações e leis, devem ser proibidas". Além disso, o especialista diz que é necessária a cooperação internacional nesse sentido.
— Deveria estar claro: não podemos fazer negócios com esse tipo de empresas, não podemos, economicamente, intercambiar nada com essas empresas — declarou à AFP Lucas Chancel, professor na Paris School of Economics, na França.
Nos últimos anos, ocorreram avanços em alguns territórios, que aceitaram intercambiar informações bancárias e submeter-se a regulamentações internacionais.
— (Contudo) serviços especializados situados em paraísos fiscais que seguem as normas, como as ilhas Cayman e Jersey, estão abrindo entidades em outros territórios menos regulados. Assim, os paraísos fiscais regulados se transformaram em fachadas para a evasão fiscal — advertiu Ronen Palan.
Para este economista, a ênfase deveria ser sobre os intermediários, mediante a criação de um código de conduta que os tornasse mais responsáveis.
O que dizem os brasileiros sobre empresas no Exterior?
O ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, responderam no domingo a reportagens que afirmam que ambos teriam participações em offshores localizadas em paraísos fiscais. Os dois informaram que as empresas foram declaradas à Receita Federal, à Comissão de Ética Pública e às demais autoridades brasileiras competentes e não violam a legislação.
Como foi a repercussão da revelação sobre as personalidades do Brasil?
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição no Senado, apresentou na segunda-feira (4) uma notícia-crime ao Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a abertura de uma investigação contra o ministro da Economia e o presidente do Banco Central após o caso. Além disso, o caso afetou o mercado financeiro.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, chegou a abrir na segunda um procedimento de apuração preliminar sobre a atividade das offshores no nome de Guedes e de Campos Neto.
Pressionados pela divulgação das empresas que mantêm em paraísos fiscais, os dois terão de ir ao Congresso falar sobre o assunto. Nesta terça-feira (5), dois movimentos, um na Câmara e outro no Senado, cobram explicações sobre o caso.
Na Câmara, a Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público aprovou a convocação de Guedes para explicar as movimentações financeiras no Exterior. Por ser convocação, o ministro terá de comparecer à audiência, que ainda terá a data definida.
Já no Senado, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) quer ouvir tanto Guedes quanto Campos Neto. Neste caso, porém, foi aprovado apenas um convite aos dois, o que permite às autoridades recusar a participação na audiência. Se confirmarem, eles serão questionados pelos senadores da Comissão no dia 19 de outubro.
O ministro da Economia segue sem dar explicações aos brasileiros.