Desde os últimos anos do governo de Hugo Chávez, que morreu de câncer em março de 2013, a Venezuela sofre com intensa crise política e econômica. Com protestos constantes, inflação em 8.878,1% nos últimos 12 meses e falta de produtos básicos, como remédios e alimentos, criou-se novo fluxo imigratório de venezuelanos em direção a nações vizinhas.
O Brasil vinha sendo um dos países que recebia mais imigrantes nos últimos anos — mais de 115 mil já passaram pela fronteira brasileira, segundo o governo Temer. No entanto, a situação começou ficar tensa após restrições a venezuelanos pelo Estado de Roraima.
No tumulto mais recente, na cidade de Pacaraima, no sábado (18 de agosto), moradores atacaram dois acampamentos improvisados dos imigrantes, fazendo com que pelo menos 1,2 refugiados voltassem à Venezuela. Em seguidas, o governo federal prometeu enviara Força Nacional de Segurança à região.
A seguir, entenda, a partir de fatos em ordem cronológica, a imigração Venezuela-Brasil:
2014
Queda no preço do petróleo
Em 2014, a queda de mais de 50% nos preços do petróleo, que representa a maior parte da renda do país, marcou o início da severa crise econômica na Venezuela, aprofundando ainda mais as tensões entre o governo e uma oposição empenhada em tirar o presidente Nicolás Maduro do poder. De US$ 98,98 em julho de 2014, o barril caiu para US$ 47,05 no final do ano, o que causou um corte de importações de 33% em relação a 2012, quando as compras não petrolíferas somaram 52,6 bilhões de dólares.
2015
Oposição consegue maioria no Congresso
Em dezembro de 2015, a oposição ao governo de Maduro conquistou vitória histórica nas eleições parlamentares, acabando com 16 anos de hegemonia chavista com a maioria de pelo menos três quintos da Assembleia Nacional.
Com o revés, Maduro começou a usar a Suprema Corte e a Justiça Eleitoral do país para garantir hegemonia política, diminuindo os poderes do Parlamento.
2016
Fim de diálogo
No fim de 2016, a coalizão oposicionista, que controlava o Legislativo venezuelano, suspendeu o diálogo com o governo, que não teria cumprido acordos envolvendo o cronograma eleitoral e a libertação de opositores. A oposição pressionou o governo por um referendo revogatório contra Maduro, processo que acabou descartado pelo Executivo. Os opositores, então, pediram a antecipação das eleições presidenciais, marcadas para 2018, o que também foi rejeitado.
2017
Suprema Corte assume o Parlamento
O Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela assumiu as competências do Parlamento em março de 2017. A decisão, segundo analistas, representa mais um passo rumo a modelo autoritário. O congresso, de ampla maioria opositora, considerou a manobra um desacato. Após forte pressão internacional, o TSJ voltou atrás e revogou a decisão em abril do mesmo ano.
Onda de protestos
Mesmo com o recuo, a ação do Supremo foi o estopim para uma onda de protestos em todo o país. Com manifestações quase que diárias, marcadas por confrontos entre manifestantes e forças de segurança, mortes, prisões de opositores e cenário de guerra, a crise política no país ficou ainda mais inflamada. A violência vinculada às manifestações entre abril e julho de 2017 deixou 125 mortos.
Invasão do Parlamento
Em julho de 2017, partidários de Maduro invadiram o Parlamento. Vinte pessoas, entre elas sete parlamentares, ficaram feridas nos confrontos durante o ato.
O então presidente da Assembleia Nacional da Venezuela, o opositor Julio Borges, disse que a ação foi ordenada pelo governo. Na época, Maduro condenou o ataque e pediu investigação dos fatos.
Inflação descontrolada
Nos últimos anos, a inflação na Venezuela é marcada por índices elevados e descontrolados. Em 2017, o país fechou 2017 com inflação de 2.616% e queda do Produto Interno Bruto (PIB) de 15%, segundo cálculos de uma comissão especializada do Parlamento, de maioria opositora. Nos últimos 12 anos, a inflação na Venezuela chegou a 8.878,1%, segundo outro estudo do Parlamento.
Constituinte
Em 30 de julho de 2017, mais de 8 milhões de venezuelanos votaram para definir os integrantes da Assembleia Constituinte do presidente Nicolás Maduro, durante um dia de eleição violento que terminou com 10 mortos – dois deles adolescentes. A oposição e vários governos rejeitaram o resultado, considerando a votação "fraudulenta". A maioria votou de acordo com o Conselho Nacional Eleitoral (CNE).
No entendimento da oposição, Maduro usaria a nova constituinte para garantir sua supremacia no poder. Em agosto, a Assembleia Nacional Constituinte (ANC) da Venezuela – integrada por aliados do presidente Nicolás Maduro – decidiu, por unanimidade, assumir as competências do Parlamento, controlado pela oposição. Com a manobra, o cenário político no país ficou mais tenso.
Os opositores consideram a decisão ilegítima e como um instrumento do governo de Maduro para consolidar uma ditadura no país.
2018
Crise migratória
Com o cenário caótico no país, com altos índices de inflação, faltas de produtos básicos e taxas elevadas de desemprego, parte da população da Venezuela decidiu tentar a sorte em países vizinhos. Entre os destinos escolhidos, estão Brasil e Colômbia.
Segundo relatório do Ministério da Justiça, divulgado em julho de 2018, no ano passado, dos 33.866 estrangeiros que ingressaram no Brasil e fizeram a solicitação de reconhecimento da condição de refugiados no país, mais da metade dos requerentes são venezuelanos que entram em território brasileiro pelo Estado de Roraima. No total, 17.865 naturais daquela nação buscaram o Brasil como alternativa para fugir da situação de pobreza pela qual passa o povo governado por Nicolás Maduro.
Temer anuncia comitê
O presidente Michel Temer anunciou, em fevereiro de 2018, a criação de um comitê para acompanhar a imigração venezuelana para Roraima. Segundo ele, será uma "coordenação federal em conjunto com o Estado".
Temer anunciou outras medidas, como a criação de um hospital de campanha na fronteira para vacinar os imigrantes assim que entrarem no país. Um censo demográfico também será realizado para que se possa monitorar o número de imigrantes em Boa Vista
Roraima pede fechamento da fronteira
Em abril, a governadora de Roraima, Suely Campos (PP), ingressou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo que a União seja obrigada a fechar, temporariamente, a fronteira do Estado com a Venezuela. Em nota divulgada pelas redes sociais, a governadora justifica a ação afirmando que "para resolver os impactos da migração e proteger o povo de Roraima é preciso que a fronteira seja fechada temporariamente".
A resposta imediata de Temer foi crítica: "Isso não é hábito do Brasil, o Brasil não fecharia fronteiras", disse o presidente à época, classificando a medida como "incogitável".
Governadora determina mais rigor na fronteira
No começo de agosto, Suely Campos assinou um decreto que determina a atuação especial das forças de segurança pública e demais agentes públicos estaduais para regulamentar a oferta de serviços a imigrantes. Entre as medidas previstas no decreto, está a autorização para que o posto fiscal da Secretaria da Fazenda em Pacaraima, na fronteira, passe a controlar pessoas, bagagens e veículos.
O governo federal anunciou que pediria apuração por parte do Ministério Público (MP) das medidas adotadas pelo governo de Roraima. A Advocacia-Geral da União (AGU), o Ministério dos Direitos Humanos e o Ministério Público Federal (MPF) se manifestaram contrários à medida, uma vez que o Brasil é signatário de uma série de tratados internacionais que estabelecem direitos, deveres e regras que asseguram direitos a estrangeiros sob proteção do Estado.
Juiz determina fechamento da fronteira
Cinco dias depois do decreto estudual, o juiz federal da 1ª Vara da Federal de Roraima Helder Girão Barreto determinou suspensão do ingresso de venezuelanos no Brasil pela fronteira com Roraima.
Na decisão, Barreto diz que "é imperioso rechaçar a ideia de que, em matéria da imigração, a União tudo pode, e os estados e municípios tudo devem suportar". Ele acrescenta que o Estado brasileiro pode adotar a política de imigração que entender, desde que não viole a Constituição Federal e a autonomia dos estados, dos municípios e do Distrito Federal.
STF nega pedido de fechamento
No mesmo dia da decisão do juiz de primeira instância, a ministra do STF Rosa Weber indeferiu o pedido para fechamento da fronteira. Antes disso, a ministra chegou a realizar audiência de conciliação entre a União e o governo local sobre a questão migratória, que não teve resultado.
Na sentença divulgada no processo eletrônico, Rosa Weber diz que, além de ausência dos pressupostos legais para emissão de liminar, o pedido do governo de Roraima é contrário também "aos fundamentos da Constituição Federal, às leis brasileiras e aos tratados ratificados pelo Brasil".
Confrontos entre brasileiros e venezuelanos
No dia 18 de agosto, Pacaraima, no estado de Roraima, viveu momentos de tensão no sábado (18) após confronto entre brasileiros e imigrantes venezuelanos cujos acampamentos improvisados foram destruídos e incendiados. O tumulto começou pela manhã depois que um comerciante foi ferido na madrugada. Os familiares da vítima responsabilizaram os imigrantes venezuelanos, que no último ano intensificaram sua presença na cidade.
Em nota, o governo de Roraima voltou a pedir o fechamento temporário da fronteira. Temer chamou ministros para uma reunião emergencial no dia seguinte e, após, anunciou o envio de pelo menos 120 homens da Força Nacional de Segurança e 36 voluntários na área da saúde deverão viajar para Pacaraima.
Na reunião, ficou decidido também que os esforços de "interiorização" de venezuelanos para outros Estados serão intensificados, o que pode incluir o Rio Grande do Sul. Será criado um "abrigo de transição" em Roraima, entre as cidades de Boa Vista e Pacaraima, para dar suporte aos imigrantes.
Venezuelanos deixam o Brasil
Assustados, vários venezuelanos atravessaram a fronteira de volta a seu país. Segundo o Exército, cerca de 1,2 mil deixaram o Brasil após os incidentes em Pacaraima. O posto de identificação e recepção da Polícia Federal na fronteira, que chegou a ficar fechado por questões de segurança, voltar a funcionar normalmente.