Mais de 8 milhões de venezuelanos votaram no domingo (30) para definir os integrantes da Assembleia Constituinte do presidente Nicolás Maduro, durante um dia de eleição violento que terminou com 10 mortos – dois deles adolescentes. A oposição e vários governos rejeitaram o resultado, considerando a votação "fraudulenta".
Mais de 8 milhões de venezuelanos (41,53%) votaram, de acordo com o Conselho Nacional Eleitoral (CNE).
– É a maior votação que a Revolução Bolivariana conseguiu em toda a história eleitoral em 18 anos. Chegou o momento de uma nova história – disse o presidente Nicolas Máduro diante de centenas de seguidores que celebravam na praça Bolívar, no centro de Caracas.
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Os resultados, no entanto, não foram reconhecidos pela oposição, que não participou na votação que considerou "fraudulenta", e por vários países, incluindo os Estados Unidos; México, Colômbia, Panamá, Argentina, Costa Rica, Peru, Paraguai e Espanha também anunciaram que não vão reconhecer a legitimidade da Constituinte. O Brasil fez um apelo às autoridades venezuelanas para que suspendam a instalação da Assembleia.
Sistema de votação não reconheceu Maduro
O carnê criado pelo governo venezuelano para registrar os beneficiários de seus programas sociais - e que seria usado para monitorar o voto na Assembleia Constituinte - não funcionou, deixando o presidente Nicolás Maduro em uma saia justíssima. A oposição acusa o governo de usar esse documento como um mecanismo de controle social, para fins políticos.
– Vamos fazer a verificação do meu Carnê da Pátria para que fique registrado que eu vim votar e que meu Carnê da Pátria fique marcado para toda vida. Que votei no dia histórico da Constituinte – anunciou o presidente neste domingo. – Leu? – perguntou Maduro à mulher que escaneava os documentos com um smartphone, recebendo uma resposta positiva.
Na tela do aparelho, apareceu, em seguida, uma mensagem que a desmentia: "A pessoa não existe, ou o carnê foi anulado". A imagem foi captada por uma câmera de televisão do governo e viralizou nas redes sociais.
"Eleição viciada", criticam os Estados Unidos
Em um comunicado divulgado pelo Departamento de Estado, os Estados Unidos "condenaram" a eleição "viciada" e anunciaram que continuarão "adotando medidas enérgicas e expeditivas contra os artífices do autoritarismo na Venezuela".
Maduro, contudo, mostrou não se importar com o que Washington pensa.
– Que caralho nos importa o que diga Trump – respondeu o presidente da Venezuela.
A oposição venezuelana, que boicotou a votação, convocou protestos para esta segunda-feira (31) em todo o país e na quarta (2) em Caracas, contra a instalação da Constituinte.
– Não reconhecemos este processo fraudulento. Para nós é nulo, não existe – disse Henrique Capriles, um dos principais representantes da oposição, ao convocar os protestos em nome da coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD).
Adolescentes mortos
Dois adolescentes estão entre os mortos durante as manifestações. Em muitos casos, esses atos se tornaram uma batalha campal travada com bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha, pedras e coquetéis molotov.
Um candidato à Constituinte faleceu na noite de sábado (29), mas ainda não se sabe se a motivação foi política. Com essa escalada da violência, chega a 125 o número de mortos em quatro meses de protestos pela saída de Maduro.
"A nova Constituição vai impor ordem", diz governo
Para o governo venezuelano, a nova Constituição começa uma nova era.
– Esta é uma Constituinte para impor ordem. Acabou a sabotagem da Assembleia Nacional, é preciso impor ordem (...). Será necessário retirar a imunidade parlamentar – enfatizou o presidente em seu discurso, no qual criticou os líderes da oposição.
Desde janeiro de 2016, a oposição tem maioria no Parlamento.
Em tom de ameaça, Maduro mencionou a possibilidade de "tomar o comando" da Procuradoria, depois que a procuradora-geral Luisa Ortega rompeu com o governo e se tornou uma de suas principais adversárias.
– O que acreditam que (a Constituinte) deve fazer com a Procuradoria? Reestruturá-la de imediato, declará-la em emergência e tomar o comando para que exista justiça – disse.
Apesar do discurso radical, Maduro propôs um "diálogo nacional" para resolver a grave crise política do país, que sofre com uma escassez de alimentos e medicamentos, além de uma brutal inflação.
Um diálogo entre governo e oposição, mediado pelo Vaticano, fracassou no fim do ano passado.
O presidente anunciou que em 6 de agosto começará a inscrição de candidatos a governadores e se disse pronto para estas eleições, previstas para dezembro.
As eleições de governadores deveriam ter acontecido em 2016, mas foram adiadas quando a oposição tentava aprovar um referendo revogatório do mandato de Maduro, que o CNE não autorizou.
Isolamento internacional
Na semana passada, os Estados Unidos puniram 13 funcionários e militares próximos a Maduro, entre eles a presidente do Conselho Nacional Eleitoral, Tibisay Lucena. Eles foram acusados de ruptura da democracia, violação dos direitos humanos e corrupção.
– O governo se prepara para um cenário de isolamento internacional severo e tenta unificar seus quadros contra o inimigo externo – disse o analista Luis Vicente León.
– Esta Constituinte nasce banhada em sangue. Nasce ilegítima porque é muito difícil auditar a quantidade de pessoas, mas tecnicamente podemos verificar que aconteceram muitas irregularidades – , disse o analista Nícmer Evans, um socialista crítico de Maduro.
Pero a ex-chanceler e candidata Delcy Rodríguez a Constituinte "não é para aniquilar o adversário", e sim para promover o diálogo.
Maduro é rejeitado por 80% da população
Maduro e sua Constituinte contam com apoio dos poderes Judiciário, Eleitoral e Militar. Mas 80% dos venezuelanos rejeitam seu gestão e 72% seu projeto, segundo o instituto Datanálisis.
– Maduro está muito enfraquecido e sendo pressionado. Se respeitar a Constituição e convocar eleições, o chavismo seria perdedor. Com essa aposta, rejeitada em massa no país e no exterior, tenta ganhar tempo e se perpetuar no poder – disse à AFP o presidente do Inter-American Dialogue, Michael Shifter.
Para muitos, isso pode acelerar o fim do chavismo.
– A cada segundo, o que o governo faz é cavar seu próprio túmulo – alfinetou o presidente do Parlamento, Julio Borges.