Relatório do Ministério da Justiça aponta que, em 2017, 33.866 estrangeiros ingressaram no Brasil e fizeram a solicitação de reconhecimento da condição de refugiados no país. Mais da metade dos requerentes são venezuelanos que entram em território brasileiro pelo Estado de Roraima. No total, 17.865 naturais daquela nação buscaram o Brasil como alternativa para fugir da situação de pobreza pela qual passa o povo governado por Nicolás Maduro. O segundo lugar dentre os desejosos de acolhida é dos cubanos: 2.373 nascidos na ilha pediram abrigo no Brasil em 2017.
O fluxo de cidadãos de Cuba rumo à América do Sul tende a crescer porque, desde 2016, ainda no governo de Barack Obama, os Estados Unidos cancelaram a política conhecida como "pés secos, pés molhados", que assegurava o “green card” – visto de permanência – aos cubanos que conseguissem atravessar o oceano para chegar em Miami. Agora, com as portas norte-americanas fechadas, os caribenhos veem o sul do Brasil, o Chile, o Peru, a Argentina e, principalmente, o Uruguai como alternativas para escapar das dificuldades econômicas enfrentadas em seu país de origem.
Em janeiro, reportagem de ZH mostrou que grupos de imigrantes cubanos com destino preferencial a Montevidéu começaram a ficar pelo caminho, instalando-se em cidades da fronteira entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai, casos de Chuí e Santana do Livramento. No primeiro semestre de 2018, 1.106 cubanos pediram refúgio no Brasil, informou a assessoria do Ministério da Justiça.
– Eventual recuperação econômica aumentará a possibilidade de atração de migrantes, mas barreiras culturais como idioma, problemas sociais graves como a violência, aumento da discriminação e carência de políticas públicas voltadas à integração dessas populações não colocam o Brasil como destino natural dos cubanos – pondera Gabriela Mezzanotti, professora de Direito e de Relações Internacionais da Unisinos e do mestrado em Direitos Humanos e Multiculturalismo da Universidade do Sudeste da Noruega, em Oslo.
Os haitianos, que lideraram o ranking de pedidos de refúgio no Brasil entre 2013 e 2015, agora estão no terceiro lugar. O arrefecimento da chegada de imigrantes deste país, que vêm em busca de emprego depois de a sua nação ter sido devastada por um terremoto em 2010, se explica pela crise econômica brasileira. Milhares estão aqui desde os primeiros ciclos migratórios. Sentiram os efeitos da recessão e perderam postos de trabalho, foram empurrados às periferias e sofreram com o racismo e a violência urbana, como mostrou a reportagem Sonhos Partidos, publicada em outubro de 2015 por ZH.
Ritmo de solicitações supera o de análises
Dado curioso é a quinta colocação na lista de pedidos de refúgio no Brasil em 2017: a China, com 1.462 requerimentos. Não há estudos aprofundados sobre as causas da chegada de chineses interessados em acolhida especificamente por aqui, mas Gabriela ressalta que o país asiático “tem o segundo maior número absoluto de emigrantes no mundo”, resultado, em parte, do tamanho da população.
Produzimos um grande número de migrantes (brasileiros que vão morar no Exterior), mas recebemos poucos. Nesse contexto, o comportamento do governo brasileiro e o discurso de xenofobia prevalecente hoje na mídia e nas redes sociais, principalmente no que se refere ao fluxo migratório da Venezuela, fere não apenas os valores da solidariedade e da hospitalidade, mas principalmente o da reciprocidade, princípio fundamental nas relações internacionais.
GABRIELA MEZZANOTTI
Professora de Direito e de Relações Internacionais da Unisinos e do mestrado em Direitos Humanos e Multiculturalismo da Universidade do Sudeste da Noruega, em Oslo
O relatório do Ministério da Justiça informa que todos os 33,8 mil pedidos de abrigo apresentados no ano passado seguem em tramitação no Comitê Nacional para os Refugiados (Conare). Durante o período de espera pelo julgamento da demanda, os imigrantes ficam no país com autorizações provisórias de residência, com direito à emissão de carteira de trabalho e CPF e acesso ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Em 30 páginas, o levantamento do ministério expõe como o ritmo de deliberações do Conare é mais lento do que o volume de solicitações de permanência. Em 2017, o comitê titulou 587 estrangeiros como refugiados, sendo 310 deles da Síria, país destruído pela guerra entre o Estado Islâmico e coalizão formada por EUA, Rússia e França. Entre 2007 e 2017, período em que há estatística, o Brasil reconheceu 10.145 imigrantes como refugiados, menos do que os pedidos de abrigo feitos somente no ano passado.