Líderes no ranking de solicitações de abrigo no Brasil em 2017, venezuelanos e cubanos podem encontrar empecilhos para serem reconhecidos pelo Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) na categoria de pessoas que “deixam o seu país de origem devido a fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, como também devido à grave e generalizada violação de direitos humanos”.
Pelos critérios, que sugerem situações mais severas de conflito, o Conare tem dado preferência aos sírios e aos congoleses, enquanto venezuelanos e cubanos podem acabar sendo vistos como migrantes econômicos, em busca de trabalho. Mas isso não necessariamente indica risco de deportação ao final do processo no Conare.
O Brasil passou, recentemente, por mudanças na legislação, tendo a “não criminalização” e a “acolhida humanitária” como princípios da política migratória. A delegada Maria Lúcia Wunderlich dos Santos e o agente administrativo Bruno Pilla, ambos da Delegacia de Polícia de Imigração (Delemig) da Superintendência da Polícia Federal (PF) da Capital, avaliam que estrangeiros não enquadrados como refugiados pelo Conare têm alternativas legais.
Os venezuelanos podem apelar à portaria interministerial 9/2018, sobre a “autorização de residência ao imigrante que esteja em território brasileiro e seja nacional de país fronteiriço, onde não esteja em vigor o acordo do Mercosul”. É uma regulamentação mais adequada para migrantes econômicos, com tramitação exclusiva na PF. Os cubanos podem requerer ao Ministério da Justiça a “autorização de residência para casos não previstos”, conforme previsto na portaria 4/2018.
A situação do Haiti é distinta: o governo brasileiro, em virtude do terremoto que destruiu a ilha, atribuiu aos naturais daquele país tratamento prioritário, com possibilidade de obtenção do visto humanitário na embaixada do Brasil em Porto Príncipe, o que reduziu a migração pelas mãos de coiotes.
Relatório do Ministério da Justiça aponta que, em 2017, 33.866 estrangeiros ingressaram no Brasil e fizeram a solicitação de reconhecimento da condição de refugiados no país. Mais da metade dos requerentes são venezuelanos que entram em território brasileiro pelo Estado de Roraima. No total, 17.865 naturais daquela nação buscaram o Brasil como alternativa para fugir da situação de pobreza pela qual passa o povo governado por Nicolás Maduro.
Destino final para uns, entreposto para outros
Milhares de venezuelanos permanecem em Roraima, porta de entrada deste ciclo migratório ao Brasil, sem conseguir se locomover devido à falta de dinheiro. Mas, em lento processo, começam a se espalhar pelo país. O Rio Grande do Sul exerce dois papéis na rota: destino final dos que desejam se fixar e entreposto aos que pretendem chegar a países vizinhos.
O professor Jurandir Zamberlan, do Núcleo de Pesquisa do Centro Ítalo-Brasileiro de Assistência e Instrução às Migrações, na Igreja Pompeia, no centro de Porto Alegre, diz que a instituição atendeu, só em 2018, 170 venezuelanos em busca de auxílio com documentos e até alimentação. Segundo Zamberlan, há cerca de 350 na Capital e na Região Metropolitana. Liderança dos imigrantes, Gustavo Chacón, no Brasil desde 2015, é mais comedido: estima em 300 o número de compatriotas no Estado, sendo 150 deles em Porto Alegre.
Segunda leva de imigrantes chega sem vínculos afetivos
Conforme Chacón, entre os primeiros venezuelanos a chegar predominaram os que já tinham familiares por aqui. Alguns estudavam em universidades, outros atuavam no programa Mais Médicos. Quando a crise se tornou insuportável na Venezuela, trouxeram os parentes. Agora, começam a desembarcar aqueles que partem por conta própria desde Boa Vista, capital de Roraima, sem nenhuma referência afetiva local. No Norte, ficam imobilizados imigrantes em situação de miserabilidade, parte de origem indígena. Centenas estão vivendo nas ruas.
– Primeiro, saiu da Venezuela quem tinha mais dinheiro. Por último, chegam caminhando aqueles que não tem sequer o que comer. Os que estão em Porto Alegre são profissionais. Diria que 90% tem formação universitária. Por isso, para nós, o mais importante é a revalidação dos títulos – explica Chacón, que atua como professor-colaborador de Química da UFRGS.
Na Capital, venezuelanos encontram aulas de português e ajuda na busca de emprego na Associação do Voluntariado e da Solidariedade (Avesol).
– Temos mais de uma dezena trabalhando em empresas de call center de Porto Alegre que atendem chamadas de países de língua espanhola – conta Chacón, que recentemente presenciou a contratação de compatriotas por empresas da construção civil.
Mas a preferência da maioria dos venezuelanos é por se estabelecer em regiões de idioma espanhol. Neste caso, diz Cachón, a capital gaúcha se torna apenas a escala:
– É uma ponte. Eles vêm descendo o Brasil e chegam até a rodoviária de Porto Alegre para tomar um ônibus rumo a Uruguai, Argentina ou Chile. Mas, nessa ponte, muitos ficam sem dinheiro, dormindo no chão, com fome.