A família Escalona Mata, de Mérida, cidade venezuelana encravada entre cordilheiras, está desde março de 2018 reunida em Porto Alegre. Moisés, 28 anos, frequenta a capital gaúcha desde o início de 2016, quando conseguiu vaga e bolsa no mestrado de zoologia na PUCRS. Mas a mulher, Sara, 32 anos, e os filhos Salomé, cinco anos, e Mateo, três anos, permaneciam no país vizinho. O pai ficava na ponte aérea. Sempre que havia uma brecha, regressava à Venezuela. Foi assim em junho de 2017, um mês depois de estourarem na região onde vivia a família violentos protestos da população contra o governo de Nicolás Maduro.
Sara resistia em sair. Tinha sua vida lá, a companhia da mãe e da irmã, era professora da Universidade de Mérida, especializada em geofísica (análise do solo). Mas, em dezembro de 2017, Moisés recebeu a notícia de que havia sido selecionado para o programa de doutorado, também em zoologia na PUCRS, com bolsa mensal de R$ 2,2 mil. Sara, então, reavaliou a vida e decidiu deixar para trás a rotina de escassez de alimentos, itens de higiene e problemas com transporte público, distribuição de energia elétrica e gás de cozinha. Veio em definitivo para Porto Alegre ao encontro do marido, trazendo o casal de filhos.
Relatório do Ministério da Justiça aponta que, em 2017, 33.866 estrangeiros ingressaram no Brasil e fizeram a solicitação de reconhecimento da condição de refugiados no país. Mais da metade dos requerentes são venezuelanos que entram em território brasileiro pelo Estado de Roraima. No total, 17.865 naturais daquela nação buscaram o Brasil como alternativa para fugir da situação de pobreza.
Permanência legalizada e recepção acolhedora
Com condição de vida razoável no país de origem, conseguiram planejar a viagem. Cruzaram a fronteira entre a Venezuela e Roraima de ônibus. Em Boa Vista, tomaram avião até o Rio Grande do Sul. Jornada muito diferente da de milhares de venezuelanos miseráveis que ficam presos na região norte do Brasil, em situação de vulnerabilidade extrema.
Em Porto Alegre, a família Escalona Mata se fixou no Centro Histórico, em um prédio na tradicional escadaria de degraus de azulejos coloridos que liga as ruas Duque de Caxias e André da Rocha. Moisés fez nova solicitação de visto de estudante e o restante da família recorreu à "autorização de residência ao imigrante que esteja em território brasileiro e seja nacional de país fronteiriço, onde não esteja em vigor o acordo do Mercosul", prevista na portaria interministerial 9/2018. Aliviado, Moisés conta que todos já estão regularizados.
As crianças frequentam a Escola Municipal de Educação Infantil Pica-Pau Amarelo, motivo de elogios dos pais pela acolhida de professores e alunos. Moisés e Sara até já estiveram lá para contar um pouco sobre a Venezuela.
O serelepe Mateo foi o primeiro a experimentar o Sistema Único de Saúde (SUS). De tanto pular na cama, desequilibrou-se, caiu e lesionou o braço. Agora, está usando uma tipoia. A mãe relata, satisfeita, que o menino recebeu atendimento médico adequado.
– E foi tudo gratuito – ressalta, depois de deixar para trás um país em que faltam até remédios.
Os Escalona Mata sabem da existência de grupos xenófobos no Brasil, mas estão felizes com a vivência dos primeiros quatro meses.
– Quando vamos ao parque, as outras crianças procuram brincar com os meus filhos. Tem sido uma experiência aberta. Estou muito tranquila. Quanto ao relacionamento, todos sorriem e perguntam. São simpáticos, sobretudo com as crianças – conta Sara, que tomou lições de português na Associação do Voluntariado e da Solidariedade (Avesol).
– Até agora, não sofremos nenhum encontro com pessoas contrárias a imigrantes – complementa Moisés.