A prefeitura de Porto Alegre irá atualizar, até o final deste ano, um decreto municipal que amplia a vida útil dos ônibus que circulam na cidade. Pelo texto, será renovada a permissão para que veículos comuns com 14 anos de fabricação continuem transportando passageiros em 2024.
Entre cinco das capitais mais populosas do país, Porto Alegre é aquela que permite o maior limite de idade para coletivos. Entre as consequência de ter uma frota com mais tempo de vida útil, estão as quebras durante viagens. Na Carris, esse número chega a ser três vezes maior do que nos consórcios privados, como mostrou o Grupo do Investigação (GDI).
Pela legislação em vigor, de 2018, os carros comuns deveriam sair do sistema após o 12º ano de uso. Contudo, a prefeitura vem publicando sucessivos decretos desde 2019 para flexibilizar a regra e autorizar esses veículos a atingir 14 anos de vida útil nas ruas. A norma atual que amplia a circulação perde validade em 31 de dezembro de 2023.
Para evitar que veículos com ano de fabricação em 2010 fiquem vencidos, a Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana (SMMU) confirma que a regulamentação deve ser renovada. A Associação dos Transportadores de Passageiros de Porto Alegre (ATP) afirmou, em nota, que também espera o prolongamento.
A medida, além de mudar lei municipal que determina a vida útil dos coletivos, coloca Porto Alegre numa situação negativa diante de outras cidades. Os ônibus comuns da capital gaúcha, não-articulados e movidos a diesel, se comparados a quatro das maiores capitais do Brasil, são os que podem rodar por mais tempo.
Em Brasília, por exemplo, a idade-limite para estes mesmo carros é de sete anos, metade do tempo de Porto Alegre. O local de característica mais próxima é o Rio, no qual os veículos comuns têm até 13 anos de vida útil, desde que equipados com ar-condicionado. Sem este item, o limite de circulação na capital fluminense cai para 12 anos.
A frota total em Porto Alegre é de 1.173 coletivos. A SMMU afirma que esses carros de idade mais avançada funcionam como uma espécie de "reserva do sistema", sendo usados apenas pontualmente. Mas não foi o que o GDI percebeu nas ruas. Entre o final de novembro e início de dezembro, a reportagem localizou 161 veículos fabricados entre 2009 e 2011 transportando passageiros tanto pela Carris quanto por consórcios privados.
A prefeitura confirmou que são 62 ônibus de 2009 (com 14 anos de fabricação, idade máxima permitida) transportando passageiros. Mesmo com a atualização do decreto municipal, estes veículos, equivalentes a 5% da frota operante, terão de sair de circulação em 2024 porque chegarão ao 15º ano de uso. A SMMU diz que os coletivos serão trocados.
Critérios para vida útil e idade média
Olhando para os dados das maiores capitais, há uma variação entre as idades limite das frotas. Mas qual o tempo adequado e quais os critérios para esta decisão numa cidade? E, principalmente, como isto impacta a vida dos passageiros?
A ATP, entidade que representa os consórcios privados da Capital, defende que "a evolução das tecnologias permite que os veículos tenham sua vida ampliada". A própria prefeitura reconhece as consequência de aumentar o limite de rodagem dos ônibus.
Em Porto Alegre, até o terceiro ano de vida, os coletivos passam por vistorias apenas a cada seis meses. Entre o terceiro e décimo ano, são vistorias trimestrais. A partir de 10 anos completos os coletivos já são vistoriados a cada dois meses.
Mas a situação é mais exigente quando o prazo ultrapassa os 12 anos de rodagem. Aí é necessário um laudo técnico, a ser emitido por organismo de inspeção acreditado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), atestando as condições do veículo de permanecer em operação. E as vistorias passam a ser realizadas a cada 45 dias.
A administração de Brasília, onde os coletivos comuns podem rodam por sete anos, explica que o Conselho do Sistema de Transporte Público Coletivo do Distrito Federal estabeleceu estes limites para o tempo de utilização dos ônibus em 1987. Para a medida, o conselho considerou estudos realizados à época, "indicando que esses limites de tempo de uso seriam viáveis para manter os veículos em bom estado de conservação e a qualidade dos serviços de transporte, consideradas as condições viárias e de trânsito no Distrito Federal", afirma a Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob), em nota.
Em São Paulo, onde os coletivos podem rodar por até 10 anos, a definição sobre vida útil dos coletivos do transporte público municipal "levou em consideração que a cidade tenha sempre o que há de mais moderno em termos de engenharia e tecnologia veicular, além de considerar o desgaste estrutural dos veículos em função das condições da operação na cidade ao longo do tempo". A informação é da São Paulo Transporte S/A (SPTrans), empresa de economia mista que tem como maior acionista a prefeitura de São Paulo.
Ainda de acordo com a empresa, "tais medidas, visam garantir a atualização tecnológica da frota com ênfase no maior conforto, segurança, acessibilidade, confiabilidade operacional e preservação do meio ambiente."
Responsável pelo Laboratório de Sistemas de Transportes (Lastran) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Fernando Dutra Michel, explica que não há um critério exato para o cálculo da vida útil dos veículos. Mas indica que o tempo de duração do contrato de prestação do serviço pode ser um balizador.
Numa licitação de 20 anos, por exemplo, a metade desse tempo seria um bom número, permitindo que os veículos pudessem ser completamente renovados no período, além de manter uma idade média de cerca de cinco anos.
— Depois dos 12 anos, o ônibus começa a ter problemas estruturais, não é uma questão só de quebrar o motor, é a estrutura: os eixos, vigas de sustentação. Por isso, precisa até de um laudo para seguir rodando depois deste período.
Confira a vida útil e a idade média dos coletivos de Porto Alegre e outras capitais
Porto Alegre
- Idade máxima do veículo: 14 anos
- Idade média da frota: 7 e cinco meses
São Paulo
- Idade máxima do veículo: 10 anos
- Idade média da frota: 5 anos e três meses
Rio de Janeiro
- Idade máxima do veículo: 13 anos para veículos com ar-condicionado e 12 anos para veículos sem ar
- Idade média da frota: 7 anos e nove meses
Brasília
- Idade máxima do veículo: 7 anos
- Idade média da frota: 4 anos
Salvador
- Idade máxima do veículo: 10 anos
- Idade média da frota: 7 anos e oito meses
O que dizem a Secretaria Municipal de Mobilidade Urbana e a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC)
"Em nosso sistema atual, operamos uma frota total de 1.173, ainda temos mais 169 veículos que fazem parte de uma reserva técnica não remunerada (sem interferir no valor da passagem e não contabilizada no subsídio do transporte) para o atendimento da ampliação de horários que promovemos com o Mais Transporte. Desde o começo do programa, em abril de 2022, aceleramos a ampliação do atendimento. Foram mais de 2 mil viagens em dias úteis, 1.200 aos sábados e mil viagens aos domingos incrementadas no sistema. Até o final do ano, teremos 245 ônibus novos, todos com ar-condicionado e acessibilidade. Esses investimentos seguem em 2024. Há uma previsão, por parte das operadoras do sistema, de aquisição de 110 novos ônibus, além dos que devem ser adquiridos pela empresa que operar as linhas que hoje são atendidas pela Carris. Com essas aquisições, a frota terá, em dois anos, 355 novos ônibus rodando. Além disso, inscrevemos no novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal projeto para a renovação de 500 ônibus a diesel e cem ônibus elétricos para ampliarmos ainda mais essa renovação da frota que ficou prejudicada, assim como todo o sistema de transporte, pela pandemia de covid-19. Em relação aos ônibus de 2009, em nossos registros temos 62, que representam 4,6% da frota cadastrada. A Secretaria de Mobilidade e a Empresa de Transporte e Circulação (EPTC) informam que, devido à renovação que está acontecendo, e, conforme prevê a legislação vigente, eles deixarão de rodar no próximo ano, pois as novas aquisições irão suprir essa necessidade. Reforçamos ainda que todos passam por processo de vistoria permanente. Veículos com até 3 anos incompletos recebem vistorias a cada 180 dias. Veículos que têm entre 3 anos completos e 10 anos incompletos são vistoriados a cada 90 dias. E veículos a partir de 10 anos completos são vistoriados a cada 60 dias. Além da maior frequência de inspeção, conforme Decreto Municipal n° 20.930/2021, nos ônibus com vida útil superior a 12 anos é necessário ainda um laudo técnico, a ser emitido por organismo de inspeção acreditado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), atestando as condições do veículo de permanecer em operação. Em relação à legislação que regulamenta a vida útil, a prefeitura trabalha para a atualização da mesma para 2024, sempre com o foco em prestar um serviço de qualidade para o usuário do transporte coletivo."
O que diz a Associação dos Transportadores de Passageiros (ATP)
"Em relação à idade máxima de um ônibus, informamos que a evolução das tecnologias permite que os veículos tenham sua vida ampliada. Além disso, os ônibus passam por todas as manutenções preventivas e corretivas para garantir a segurança e conforto dos clientes. Por fim, relembra-se que saímos recentemente de um período pandêmico, no qual a operação de transporte se reduziu drasticamente. Após a retomada, as empresas vêm acelerando a renovação de frota. Nos últimos anos, ingressaram 219 novos ônibus na frota privada, com previsão de chegarem mais veículos novos até o final do ano, totalizando 245. Espera-se que as regras de incremento de vida útil sejam mantidas, pois, pela nossa experiência e pelos rigorosos critérios de manutenção e vistoria, acreditamos que não prejudica a qualidade da operação de transporte e ainda mantém os custos dentro de patamares razoáveis em nossa cidade."