Uma batalha pela instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que vai investigar supostas irregularidades na Secretaria Municipal de Educação (Smed) tomou as articulações nos bastidores da Câmara de Vereadores de Porto Alegre. Dois requerimentos foram protocolados na última segunda-feira (5), um dos governistas e outro da ala independente com apoio da oposição, e a disputa passou a ser sobre qual deles irá prevalecer.
Em uma situação considerada inusitada, há dúvidas sobre a possibilidade de as duas CPIs funcionarem de forma simultânea, tendo objetos semelhantes. Na próxima segunda-feira (12), está prevista a chegada dos requerimentos na Procuradoria da Câmara, ambos com as 12 assinaturas necessárias, para a análise dos requisitos jurídicos e formais que precedem a instalação de uma comissão parlamentar. Os fatos ocorrem na esteira das reportagens do Grupo de Investigação da RBS (GDI) que revelaram situações de desperdício de dinheiro público após compras da Smed. Milhares de livros, kits pedagógicos e chromebooks adquiridos pelo governo do prefeito Sebastião Melo em 2022 estão em desuso, acondicionados precariamente em escolas e em um galpão da Smed.
Nos corredores da Câmara, já era de conhecimento dos vereadores que Mari Pimentel (Novo) estava colhendo assinaturas para uma investigação a respeito de supostas irregularidades. Ao perceber que a consumação era questão de tempo, o líder do governo, Idenir Cecchim (MDB), se antecipou e anunciou em plenário, no dia 5, que tinha os apoios necessários para uma CPI. Foi uma estratégia para manter o controle da apuração e os principais postos da comissão, de relator e de presidente, em mãos de governistas. O requerimento de Cecchim propunha, em dois parágrafos, "apurar supostas irregularidades na aquisição de telas interativas pelo valor de R$ 6 milhões e de materiais didáticos sem uso pelos alunos da rede municipal". Telas interativas são como lousas digitais, afixadas em sala de aula para atividades pedagógicas.
Após a manobra de Cecchim, Mari também apresentou um requerimento contendo as 12 assinaturas, sendo dez delas de oposicionistas de esquerda. O pedido de investigação da vereadora do Novo, em seis páginas, descreve 12 itens a serem apurados, incluindo supostas "obras fantasmas em escolas" e alegados "sobrepreços" e "direcionamentos" de compras.
Com as duas CPIs protocoladas, Cecchim fez, na quarta-feira (7), um aditamento ao seu pedido original de apuração. Ele disse que a intenção era "alargar o escopo" e, para isso, acrescentou os 12 itens do requerimento de Mari. Foi deflagrada, na sequência, uma batalha a respeito de qual linha irá prevalecer. Nesta sexta-feira (9), após reunião ordinária da base aliada com Melo, Cecchim afirmou que somente a comissão requerida por ele pode ser instalada. A tese é de que a apuração pleiteada por Mari perdeu o objeto.
— Eles (Mari e oposição) chegaram depois. Fiz o pedido porque o governo quer trazer à luz todos os questionamentos. Na segunda (12), vou à tribuna dizer que não quero ser o presidente da CPI. Renuncio a esse direito. A comissão não pode ser presidida pelo líder do governo, para não ser chapa-branca. Vamos escolher outro presidente, mas é fato que não há sentido em ter duas CPIs com o mesmo assunto. O regimento é assim. A primeira é a que vale — afirma Cecchim.
O emedebista, um dos políticos mais próximos de Melo, não quis antecipar o nome de um possível presidente da comissão em caso de a sua teoria sair vitoriosa. Ele avaliou que, antes de apontar um candidato, é preciso aguardar o parecer da Procuradoria da Câmara.
Mari rebate e diz que, no sistema digital de tramitação de procedimentos e projetos da Câmara, o SEI, o seu requerimento foi protocolado quatro minutos antes do de Cecchim. Ainda destaca que, dois dias depois, o emedebista fez um aditamento para contemplar os pedidos de investigação listados por ela.
— Eles acharam que só iríamos fiscalizar as telas interativas. Quando viram que tínhamos 12 itens, ficaram apavorados. Em ato de extrema covardia, copiaram os itens da nossa CPI para fazer um adendo. O legítimo copia e cola. Não tiveram a capacidade de saber o que acontecia com a educação de Porto Alegre — diz a vereadora.
Para ela, o ofício do líder do governo não atende todos os requisitos para ser confirmado. Um dos motivos disso seria por, supostamente, ter objeto vago de apuração no protocolo original.
O procurador-geral da Câmara, Renan Sobreiro, afirma que é preciso analisar o caso juridicamente. Por isso, refuta qualquer comentário sobre o mérito.
— Apenas posso registrar que não me recordo de uma situação parecida. Provavelmente a Câmara de Porto Alegre ainda não enfrentou esse tema — comentou Sobreiro.
Somente na compra de livros de dois fornecedores, chromebooks e kits pedagógicos, incluindo os que estão em uso regular, a Smed investiu mais de R$ 100 milhões em 2022.