O coronel da ativa da Brigada Militar Antonio Carlos Maciel Rodrigues Junior compartilhou mensagens nas redes sociais em que policiais militares e cristãos são convocados a apoiar o presidente Jair Bolsonaro e a repudiar o Supremo Tribunal Federal (STF) na manifestação do Sete de Setembro. Os atos, em todo o país, ocorrerão em momento de tensão e de conversas abertas entre figuras do poder sobre ruptura institucional.
Maciel compartilhou em 22 de agosto, por exemplo, convocações para movimentos no feriado. Uma delas exibe foto de um coronel da PM paulista fardado, com conclamação a manifestações no Dia da Independência. Noutra, pastores evangélicos chamam para os atos pró-Bolsonaro. Na terceira, a postagem replica críticas de um general ao STF e escreve, sobre as Polícias Militares: "Na hora em que o Exército chamar a Polícia Militar, ela deve obedecer", sugerindo desobediência ao Supremo.
Na virada do domingo (5) para esta segunda-feira (6), véspera das manifestações, Maciel fez novas postagens no seu perfil. Uma diz: “7 de setembro. É Brasil ou eles”. A outra é mais incisiva, contendo um texto acompanhado de foto de Bolsonaro: “Chegamos no limite. Não tem mais conversa, daqui pra frente não só exigiremos, faremos cumprir a Constituição, ela será cumprida a qualquer preço, e ela tem dupla mão, não é de um lado só”.
A cúpula da Brigada Militar monitora há um mês postagens de oficiais superiores, aqueles que exercem cargos de comando - seja em áreas extensas, seja em batalhões. No Rio Grande do Sul, o caso do coronel Maciel é o mais contundente na convocação para atos de ruptura e com menção direta ao Sete de setembro, mas ele está em minoria. O Grupo de Investigação da RBS (GDI) verificou as postagens nas redes sociais Facebook, Twitter e Instagram de todos os coronéis e tenente-coronéis da ativa no Estado. O levantamento de GZH indica que, dentre os 114 oficiais - 30 coronéis e 84 tenente-coronéis -, seis deles fazem ou já fizeram manifestações ideológicas ou curtiram páginas de lideranças políticas. Coronéis, via de regra, comandam regiões do Estado, tendo como subordinados milhares de policiais. Tenente-coronéis comandam, quase sempre, batalhões (de 500 a 900 soldados). Atuam em cargos-chave da corporação militar.
Afora Maciel, os outros cinco oficiais graduados da BM não fizeram convocação ao Sete de Setembro. Em geral, limitaram-se a tecer comentários sobre política, de viés antiesquerdista, ou curtir páginas de apoio a Bolsonaro.
O coronel Maciel é o atual comandante do Comando de Operações Especiais (COE). Na sua estrutura original, o COE tinha entre suas subordinadas as seguintes unidades: Batalhão de Aviação da BM, Batalhões de Operações Policiais Especiais (Bope), Batalhão de Polícia Fazendária, Batalhão de Polícia de Guarda, Cadeia Pública de Porto Alegre e Penitenciária Estadual do Jacuí. Após reformulações bastante polêmicas, Maciel perdeu o controle sobre várias dessas unidades. Hoje, ele chefia o batalhão da aviação, o de guarda e o Presídio Estadual Feminino Madre Pelletier.
Procurado pela reportagem para se manifestar sobre as publicações, coronel Maciel afirmou, por mensagem de texto: "Sou oficial da ativa e assuntos da BM quem responde é o comandante-geral da BM".
A cúpula da Brigada Militar reforçou a recomendação para que as tropas não estimulem atos políticos, de esquerda ou de direita. Os que desobedecem à orientação estão sujeitos a punições pelo Código Penal Militar (CPM). Podem ser enquadrados, por exemplo, por "fazer apologia de fato que a lei militar considera crime, ou do autor do mesmo, em lugar sujeito à administração militar". A pena é de detenção, de seis meses a um ano. Ou também "incitar à desobediência, à indisciplina ou à prática de crime militar", com pena de reclusão de dois a quatro anos. As condutas ainda podem ficar sujeitas a artigos do CPM que tipificam "recusa de obediência", "publicação ou crítica indevida" e "inobservância de lei, regulamento ou instrução", todos com previsão de detenção.
Outra hipótese é que sejam enquadrados em punições disciplinares, como a infração ao item 51 das transgressões consideradas graves pelo Regulamento Disciplinar da BM: "Publicar ou contribuir para que sejam publicados fatos ou documentos afetos às autoridades policiais ou judiciárias que possam concorrer para o desprestígio da corporação, ferir a disciplina ou a hierarquia, ou comprometer a segurança". Até o momento, não há notícia de que algum oficial da BM tenha sido punido em relação aos preparativos do Sete de Setembro.
Um dos maiores temores dos governadores não alinhados com Bolsonaro é que integrantes das polícias, especialmente as militares, endossem algumas teses radicais do presidente. Nesse campo se enquadram rebeldia em relação ao Judiciário e possível negativa de cumprir ordens de governantes estaduais. O receio aumenta na medida em que o Dia da Independência será usado por militantes bolsonaristas como uma demonstração de força.
A preocupação está embasada em pesquisas que mostram simpatia dos policiais por teses radicais. Estudo divulgado na semana passada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostra que a adesão a posições do bolsonarismo aumentou 29% nas Polícias Militares, comparando os comportamentos nas redes sociais em 2020 e 2021. Algumas dessas postagens defendem posturas ilegais, como a prisão de ministros do STF e o fechamento do Congresso Nacional, enfatiza o presidente do FBSP, Renato Sérgio de Lima.
O estudo foi feito por amostragem - 651 policiais monitorados - e não esboça detalhes regionais. A pesquisa mostra que, enquanto 27% dos PMs (conforme a enquete) interagem com postagens bolsonaristas (compartilhando, comentando ou curtindo), a média na população em geral é de 17%. Entre policiais civis a interação é de 7% e entre policiais federais, 10%.
Governo promete punir manifestações extremadas de PMs
A Corregedoria da Brigada Militar e a PM2 (serviço reservado) têm acompanhado nas últimas semanas as postagens de policiais convocando para manifestações no Dia da Independência. A preocupação ocorre sobretudo com relação a oficiais que controlam tropas. Foi reforçada a recomendação para que não estimulem atos políticos.
Com relação ao compartilhamento de mensagens consideradas político-ideológicas, o Comando da BM diz que já identificou casos e promete investigação, além de possível punição. A posição está em nota oficial da corporação repassada à reportagem do GDI:
"A presença de policiais militares fardados em atos políticos e/ou partidários é vedada por legislação federal. Se PMs participam de atos em dias de folga ou fora de serviço, a Brigada Militar apura as condições em que se dá essa participação e pode, se necessário, abrir sindicância para investigar as condutas. Até o momento, a Brigada Militar identificou casos isolados de militares estaduais que compartilharam, em suas redes sociais, mensagens alusivas aos protestos. Os casos serão apurados internamente e podem resultar em punições para os envolvidos.
Todo Policial Militar, assim como qualquer cidadão, tem direito de professar a sua ideologia, desde que isso não extrapole para sua atuação profissional, direta ou indiretamente. A Brigada Militar é uma instituição de Estado, com atribuições definidas pelas Constituições Federal e Estadual, com as quais têm compromisso irrestrito e inegociável, e que ostenta a disciplina como valor institucional basilar.
Não cabe, portanto, aos policiais militares da ativa externarem tendências partidárias que possam de qualquer forma ser vinculadas ao exercício das suas funções públicas, sob pena de comprometer a imparcialidade exigida pela corporação para o exercício das suas atribuições constitucionais".