Um dos mais antigos e tradicionais hospitais de Porto Alegre, a Associação Sanatório Parque Belém exige da Associação Beneficente São Miguel (ABSM) R$ 945 mil em aluguéis atrasados. A ação de cobrança corre na 3ª Vara Cível do fórum da Capital desde outubro de 2019.
A Associação Sanatório Parque Belém, representada pelos irmãos Luiz Augusto Pereira e Antônio José Garcia Pereira (descendentes do construtor do hospital), informa que o débito se refere ao arrendamento do prédio da instituição para a ABSM, que exploraria ali serviços de cuidados paliativos para pessoas com câncer. O estabelecimento tem 13 mil metros quadrados de área construída num bosque, no bairro de Belém Velho.
O Parque Belém já estava fechado, devido a dívidas, desde maio de 2017. Na época, contava com 200 leitos, incluindo UTI, cinco salas de cirurgia, equipamentos para realização de exames e tratamentos. A esperança de reativação veio com a ABSM, que se comprometeu a pagar R$ 12 mil por mês de aluguel, entre maio e dezembro de 2018. Atenderia convênios e particulares.
Os donos do Parque Belém até expediram Atestado de Capacidade Técnica para a ABSM, com base no fato de a associação supostamente administrar dois hospitais na época: o de Taquara e o de Gramado. Só que eram tentativas: a ABSM não chegou a assumir a administração dessas casas de saúde. Luís Augusto Pereira, da família proprietária do Parque Belém, não quer polemizar, mas explica que na época foi convencido de que a ABSM administrava hospitais e, com base nisso e num plano de reaproveitamento dos mais de 200 leitos do hospital, deu o atestado de capacidade técnica.
Nada do previsto para o Parque Belém saiu do papel e não aconteceu a reabertura do hospital. Após tentativas de renegociar o débito de locação em 2019, os donos do Parque Belém cobram na Justiça a dívida pelo aluguel e procuram nova parceria para reabrir a instituição. Despacho de uma das magistradas que atuou no processo informa que "a executada (ABSM) deixou as instalações do hospital sem sequer arcar com os pagamentos das contas de luz. Enquanto isso, a situação financeira da Parque Belém continua a piorar".
Contrapontos
O que diz Rafael França, presidente da ABSM
"Tudo ficou parado em relação ao Parque Belém porque a Vigilância Sanitária do município sequer respondeu ao pedido de inspeção. A gente não poderia ficar pagando aluguel sem reabrir. Por isso a questão foi para a Justiça."
O que diz o setor de Vigilância em Saúde da prefeitura
A Vigilância informa que existe um pedido da ABSM, de 2019, referente a uso de um setor do hospital Parque Belém para tratamento psiquiátrico. O pedido foi negado "porque o hospital não apresentava as condições". Não há pedido de avaliação de áreas maiores, como UTI e cirurgias.
Certificado de beneficência foi negado à ABSM pelo Ministério da Saúde
A Associação Beneficente São Miguel não possui um dos principais documentos usados por interessados em gerir entidades benemerentes. Ela teve negado, pelo governo federal, o Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social (Cebas) nos anos de 2018 e 2019, conforme informa o Ministério da Saúde à reportagem de GZH. O certificado é concedido a cada três anos e a rotina de quem não o possui é bem difícil, porque deixa de celebrar de forma simplificada e ágil convênios com o poder público.
O Cebas permite, por exemplo, que as entidades tenham isenção de contribuições sociais (como PIS, Cofins e contribuição previdenciária), além de serem beneficiadas com propostas e projetos de financiamentos, expansão de infraestrutura e aquisição de equipamentos e liberação de emendas parlamentares. Existem ainda leis municipais e/ou estaduais que admitem descontos na conta de energia elétrica e taxa de água às entidades portadoras do Cebas.
O pedido da ABSM para se credenciar como organização beneficente foi feito ao Ministério da Saúde em 2018, época em que a entidade, recém-criada, tinha sede numa sala do Hospital Arcanjo São Miguel, em Gramado. Ela tinha um contrato com a prefeitura gramadense para intermediar convênios com empresas que oferecem consultas oncológicas. Só que o ministério, após análise da documentação, negou a condição de benemerência solicitada pela entidade — o que lhe facilitaria a captação de verbas do SUS.
Entre os motivos relacionados pelo Ministério da Saúde para negar o certificado de beneficência à ABSM estão falta de leitos de internação, falta de pactuação de serviços com o SUS, inexistência de relatório de atividades, inexistência de demonstrativo de ofertas de serviço ao SUS (no mínimo 60% das internações hospitalares e atendimentos ambulatoriais), da prestação desses serviços e pactuação das ações de gratuidade na área da saúde e falta de balanço patrimonial da ABSM.
Contraponto
O que diz Rafael França, presidente da ABSM
"As dificuldades sem o Cebas são bem maiores, porque o certificado garante várias isenções fiscais. Mas é difícil conseguir e não queremos ser SUS-dependentes. Trabalhamos bem com setor privado e convênios."