Uma das denúncias criminais do Ministério Público Federal (MPF) decorrentes da Operação PHD revela que acusados de terem fraudado bolsas de estudo de projetos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) teriam articulado a falsificação de dados ao saberem de uma apuração que estava sendo feita por GaúchaZH.
Durante a produção da reportagem "Mestrado sem frequência", que fez parte da série Universidades S.A, de 2015, os investigados teriam combinado a mudança de informações do histórico escolar de Hêider Aurélio Pinto, então aluno do mestrado acadêmico do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Escola de Enfermagem da UFRGS. A Polícia Federal (PF) e o MPF sustentam que o histórico foi fraudado.
A alteração de dados, descoberta pela PF e pelo MPF em e-mails trocados pelos investigados, visaria a acobertar informações que poderiam indicar que Hêider havia sido beneficiado para obter o título de mestre em Saúde Coletiva. À época, ele ocupava cargo no Ministério da Saúde, justamente em área responsável por liberar recursos para projetos integrados ou coordenados por seus professores, também denunciados pelo MPF.
"Nos e-mails, ademais, Ricardo e Marisa (Behn Rolim) mencionaram a possibilidade de publicação da matéria na 'ZH', de modo a consignar expressamente a "preocupação de não deixar furo", diz trecho da denúncia.
As combinações que seriam para fraudar dados teriam sido feitas por investigados em dias que antecederam a publicação da reportagem, em abril de 2015, mas a investigação da PHD também apurou que a modificação de dados visando a beneficiar Hêider na conclusão do mestrado teria começado meses antes. Conforme consta da denúncia, em agosto de 2014, foi criada uma planilha no notebook usado por uma das investigadas mostrando que Hêider tinha pendência de cinco créditos obrigatórios e de um eletivo para concluir o curso.
"No entanto, apenas 20 dias depois, Hêider concluiu o mestrado acadêmico mediante a defesa de dissertação a despeito do exíguo prazo para implementação dos créditos e da carga horária remanescentes", diz o MPF na denúncia.
Um dos integrantes da banca de Hêider era Ricardo Burg Ceccim, que coordenou o Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (PPGCol) da Escola de Enfermagem e é apontado pelo MPF como um dos principais articuladores das fraudes investigadas na Operação PHD. O orientador de Hêider era outro dos acusados pelo MPF, o professor Alcindo Antônio Ferla.
GaúchaZH apurou a suspeita de que Hêider não cumpria a frequência necessária nas aulas. A reportagem fez levantamento cruzando informações das disciplinas em que ele foi aprovado com dados do Portal Transparência do governo federal. Foi constatado que em pelo menos 42,6% dos dias de aula Hêider estava em viagens pelo país, com diárias pagas pelo Ministério da Saúde.
Em março de 2015, a reportagem obteve cópia atualizada do histórico escolar de Hêider. Em 1º de abril daquele ano, GaúchaZH começou a contatar a universidade para pedir informações sobre a suposta falta de frequência do aluno. Depois de conversas com a direção da Escola de Enfermagem e com a coordenação do mestrado, a reportagem enviou perguntas para a assessoria de imprensa da UFRGS. Os questionamentos foram repassados à época para que o professor Ceccim respondesse.
Neste período, entre os dias 1º e 10 de abril de 2015, conforme consta da denúncia do MPF, é que teriam sido tratadas as modificações para adequar o histórico escolar para não levantar suspeitas. No dia 8 de abril, quatro dias antes da publicação da reportagem, o diploma de mestre de Hêider foi conferido.
A denúncia do MPF registra que "no dia 03/04/2015, Ricardo e Marisa trocaram e-mail acerca das alterações a serem promovidas no histórico de Hêider, cuja via original, com emissão datada de 02/04/2015 fora anexada por e-mail com anotações manuscritas indicando modificações no percentual de frequência, na situação (aprovado ou em validação) e no número de créditos com aprovação e por validação. Nos e-mails, ademais, Ricardo e Marisa mencionaram a possibilidade de publicação da matéria na "ZH", de modo a consignar expressamente a "preocupação de não deixar furo". As alterações realizadas resultaram na emissão do histórico com data de 10/04/2015".
Hêider — que é médico sanitarista, cursa doutorado em Políticas Públicas na UFRGS desde 2017 e dá aulas na Bahia — foi denunciado pelo MPF por associação criminosa e falsidade ideológica. Conforme a procuradora da República Jerusa Burmann Viecili, responsável pela acusação, "eventuais fatos remanescentes, no que se refere à conduta do acusado, deverão ser esclarecidos em sede de investigação que persiste sob sigilo".
As apurações mostraram que Hêider também teria participado do esquema de desvio de valores de bolsas que eram concedidas a pessoas que não tinham o requisito para recebê-las ou sequer tinham ligação com os projetos universitários em questão.
Conforme a assessoria da Justiça Federal, os processos relacionados à Operação PHD estão em fase de citação, a fim de que os acusados se manifestem sobre as denúncias.
Desdobramentos da Operação PHD
A Operação PHD, da Polícia Federal, foi deflagrada em dezembro de 2016. A investigação teve início depois da divulgação da série de reportagens "Universidades S.A", divulgada em 2015 por GaúchaZH.
Além da denúncia que envolve diretamente Hêider Aurélio Pinto, há outras 11 decorrentes da operação com um total de 32 acusados entre professores e servidores da universidade e bolsistas.
A fraude envolve a concessão de bolsas de estudo na UFRGS. Os recursos desviados eram oriundos do Fundo Nacional de Saúde (FNS), destinados a programas de incentivo à pesquisa conveniados entre a autarquia universitária e as fundações de apoio, em especial a Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Faurgs).
A procuradora da República Jerusa Viecili, responsável pelas denúncias, pediu à Polícia Federal novas diligências e mais investigações sobre as fraudes.
Contraponto
O que diz Paulo Roberto Petri da Silva, advogado de Hêider Aurélio Pinto
"Estamos analisando os termos da denúncia e reforçamos a convicção da inocência do nosso cliente e de que todos os fatos foram esclarecidos em depoimento no inquérito."
O que diz Karla Sampaio, advogada de Ricardo Burg Ceccim e Alcindo Ferla
"Fizemos acesso parcial aos autos e insistimos que inexistem provas de qualquer adulteração, sobretudo que possa ser atribuída a Ricardo Ceccim."
O que diz a UFRGS por intermédio da assessoria da imprensa
"Para tomar qualquer medida disciplinar em relação a professores ou servidores, a UFRGS vai aguardar o processamento da denúncia e que o Poder Judiciário examine e julgue o caso. Hêider não responde a nenhum processo administrativo na UFRGS, já que não é servidor da instituição, porém, a universidade avaliará a questão (da suposta fraude no histórico) no âmbito das investigações que realizará tão logo tenha acesso aos elementos colhidos no inquérito."
GaúchaZH não conseguiu contato com a defesa de Marisa Behn Rolim.