A Polícia Civil indiciou seis pessoas por falsificação de selos da indústria fumageira, sonegação fiscal e associação criminosa, por conta do episódio que envolve a montagem de uma fábrica clandestina de cigarros descoberta em Montenegro, em dezembro. Os seis foram apontados como envolvidos em etapas diferenciadas do processo de comercialização e venda de derivados ilegais de fumo. O indiciamento, encaminhado à Justiça na quinta-feira (29), se embasou em parte em reportagem realizada pelo Grupo de Investigação da RBS (GDI).
A fábrica foi encontrada em uma fazenda em meio a um bosque de acácia. Os policiais civis comandados pelo delegado Paulo Costa depararam com 13 paraguaios acampados em um galpão. Eles trabalhavam numa indústria clandestina de cigarro, em longas jornadas, comendo e dormindo no chão. O inquérito da Polícia Civil considera que os operários trabalhavam em regime análogo à escravidão, porque tinham a liberdade restringida.
A ação resultou em prejuízo para a quadrilha de cerca R$ 50 milhões, calcula Costa. A Receita Federal confiscou cinco carretas de cigarros e máquinas do local, além de veículos. A fábrica clandestina produzia 1,2 mil cigarros por minuto, cerca de 2,6 milhões de maços de cigarro ao mês _ 10% do que produz uma das mais modernas fábricas da Souza Cruz, em Uberlândia (MG). Ao preço de R$ 3 por maço, a estimativa é de que no mês de funcionamento gerou R$ 7,8 milhões, de forma ilegal, aos criminosos.
Após o desmantelamento da fábrica por parte da Polícia Civil, os repórteres do GDI pesquisaram numa caderneta apreendida na indústria clandestina os nomes dos fornecedores de fumo. Descobriram contabilidade que anotava venda de matéria-prima por parte de representantes de uma fábrica processadora de fumo em Candelária. Os nomes da empresa, a Botucaraí Fumos, e de dois dirigentes dela, Tales Ellwanger e Sérgio Lawall, constam nas anotações apreendidas na fábrica de cigarros clandestinos, que industrializava a marca paraguaia 51 (ilegal no Brasil).
Os repórteres se apresentaram como conhecidos de um paraguaio que gostaria de montar uma fábrica. Sem saber que falava com jornalistas, um dos funcionários da empresa de fumos, Tales Ellwanger, mostrou a fábrica e se prontificou a fornecer matéria-prima. Ele disse que o patrão dele, Lawall, seria informado sobre a venda. Mesmo quando os repórteres disseram que não tinham nota fiscal com nome de empresa, ele se prontificou a vender insumo para cigarro paraguaio (pirata):
- Te dou tudo desembaraçado. Tu só entra com caminhão. Tem fumo de R$ 11, R$ 12, R$ 13 o quilo. O que quiserem, a gente faz.
Num segundo encontro, o repórter questionou se Tales teria como providenciar 60 caixas de fumo tipo Bill. O industriário afirmou que, tendo os teores, consegue tudo.
Tendo como base os indícios de ilegalidade captados nos diálogos gravados em microcâmera, a Polícia Civil realizou busca e apreensão na Fumos Botucaraí. Foram apreendidos R$ 40 mil sem procedência e três armas. Um segurança foi preso em flagrante, por porte ilegal de arma.
Com base em "contabilidade paralela" colhida na caderneta encontrada junto à fábrica de cigarros ilegais, cujo conteúdo revela a aquisição de fumo, possivelmente sem qualquer documento fiscal das pessoas ali nominadas", a Polícia Civil indiciou Lawall e Tales Ellwanger por sonegação fiscal e associação para o crime. Os diálogos de Tales com os repórteres do GDI também foram usados como indício de envolvimento na fabricação de cigarro ilegal.
A Polícia Civil indiciou ainda outras quatro pessoas diretamente implicadas no funcionamento da fábrica ilegal de cigarros: Eber Henchen, Juan Carlos Lezcano Torres, Celso Fretez Jaquet e Antonio Lessa Neto. Eles foram enquadrados em associação para o crime, sonegação fiscal e falsificação de selos de cigarros. Henchen foi indiciado por ter arrendado a terra onde foi montada a indústria clandestina e também por ter ajudado a buscar no Paraguai operários e máquinas de industrializar fumo, usadas de forma ilegal. Lezcano e Fretez foram apontados como coordenadores da equipe de paraguaios surpreendida na indústria fumageira clandestina. Presos na época, foram libertados e estão de volta ao Paraguai. Antônio Lessa Neto, capturado dentro da fábrica, foi autuado por receptação (foi encontrado lá um veículo furtado e máquinas contrabandeadas) e está livre.
A Polícia Civil também solicitou perícia em celulares e computadores apreendidos na operação, para verificar possíveis casos de sonegação.
Como apuramos a reportagem da indústria clandestina de cigarros?
Os repórteres Fábio Almeida e Humberto Trezzi tiveram acesso a uma agenda de contatos deixada numa indústria clandestina em Montenegro e que foi apreendida pela Polícia Civil durante uma operação em dezembro. Por meio desses contatos, os repórteres identificaram quem está por trás desse mecanismo. Se passando por empresários interessados em instalar fábricas, tiveram encontros com intermediários desse esquema ilegal, com empresários de fumo e de maquinários e com aliciadores de mão de obra. A apuração resultou na reportagem "Como age a indústria pirata de cigarros no RS", publicada em 2 de junho.
CONTRAPONTOS
O que diz Paulo Renato Ribeiro, advogado de Sérgio Lawall
Prefere não se manifestar antes de ler o relatório do indiciamento por parte da Polícia Civil. Ao ser interrogado, Lawall confirmou ser dono da empresa de venda de fumo que comercializa o produto para indústrias do Brasil, Bélgica e Paraguai. Ele negou ter feito venda de fumo para a indústria clandestina de Montenegro e não sabe explicar como seu nome foi parar na caderneta contábil apreendida lá. Ele disse ter ficado surpreso com o ato de Tales Ellwanger de falar que ele sabia da venda de fumo para paraguaios, porque os negócios de venda de tabaco são firmados por ele mesmo. "Talvez tenha sido um ato de presunção do funcionário Tales", declarou Lawall, que também nega ter vendido fumo sem firmar nota fiscal.
O que diz Ângelo Savi, defensor de Tales Ellwanger
Ele não foi encontrado por GaúchaZH. No interrogatório, Tales disse que compra e vende tabaco para a Fonte Santa Tabacos (nome formal da Botucaraí Fumos) e emite notas inclusive para exportar fumo ao Paraguai. Ele nega ter conhecimento de venda de fumo sem nota fiscal, nega ter prometido isso e afirma que a reportagem do GDI foi editada "conforme interessava", sem a íntegra dos diálogos.
GaúchaZH não encontrou os indiciados Eber Henchen, Antônio Lessa Neto e Celso Fretez. Os dois últimos estão no Paraguai. Juan Lezcano Torres conversou com a reportagem e disse que foi convencido a trabalhar no Brasil mediante promessa de bom salário. Ele assegura que não sabia que a atividade era ilegal, mas estranhou as restrições na fábrica. Henchen, em depoimento à polícia, disse que aceitou arrendar um sítio para montar a indústria ilegal de fumo porque "estava em dificuldades financeiras". Ele admitiu ter providenciado instalações e também compras de mantimentos para os operários paraguaios.