Após cerca de dois anos de investigações, a Polícia Federal indiciou 28 integrantes de universidades gaúchas por fraude em concessão de bolsas de estudo. Entre os indiciados estão professores, servidores e bolsistas, a maioria vinculada à Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mas alguns também de entidades privadas, como a Unisinos.
Os indiciados estão sujeitos a processo judicial por associação criminosa, estelionato, falsidade ideológica e inserção de dados falsos em sistema de informação.
Entre eles estão seis professores, cinco servidores da UFRGS e bolsistas que recebiam valores indevidamente.
A apuração foi aberta a partir da reportagem "Mestrado sem frequência", que fez parte da série Universidades S.A, publicada por Zero Hora em abril de 2015. A investigação da PF colheu provas de que o grupo que coordenava projetos relacionados à área de saúde da UFRGS se utilizava dessa condição para incluir bolsistas que, muitas vezes, não reuniam os requisitos para serem contemplados. Em um dos casos, segundo a PF, ficou comprovado que uma pessoa com Ensino Médio incompleto teria recebido bolsa de doutorado no valor de R$ 6,2 mil. Os valores recebidos retornavam aos mentores da fraude em dinheiro vivo e depósitos em conta corrente, além de outras formas.
O inquérito policial foi compartilhado com a UFRGS para que realizasse os procedimentos administrativos disciplinares que lhe competem. Os professores e funcionários estão afastados de suas funções.
O programa fraudado visava à capacitação de profissionais da área da saúde que atuariam como multiplicadores do conhecimento, ampliando o atendimento do SUS à população em diversas regiões do Brasil.
O inquérito da PF foi aberto em dezembro de 2016. Na ocasião, a partir de algumas informações veiculadas na reportagem, a PF prendeu quatro docentes (três da UFRGS e uma da Unisinos) e também duas servidoras da universidade federal. Foram presos Sergio Nicolaiewsky, ex-vice-reitor da UFRGS e, na época, diretor-presidente da Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Faurgs), o professor Ricardo Burg Ceccim, um dos coordenadores do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva (PPGCol) da Escola de Enfermagem, o professor Alcindo Ferla, também da Escola de Enfermagem da UFRGS, a professora Simone Chaves, da Unisinos, e duas servidoras da UFRGS. Na mesma ocasião, foi alvo de condução coercitiva o médico Hêider Aurélio Pinto, ex-secretário de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde. Exonerado do Ministério da Saúde em maio de 2016, depois da troca de governo, Hêider continuava atuando em projetos junto à UFRGS.
Tanto Hêider como os que foram presos acabaram indiciados pela PF neste inquérito.
Na série de matérias, ZH revelou a suspeita de que Hêider havia sido beneficiado com título de mestre em Saúde Coletiva, na UFRGS, sem ter frequentado aulas previstas em Porto Alegre. O coordenador do mestrado era Ceccim. À época, Hêider atuava no Ministério da Saúde. Levantamento feito por ZH mostrou que, em função de compromissos oficiais da pasta, ele não poderia ter tido a frequência suficiente para aprovação.
O orientador de Hêider na pós-graduação era outro investigado pela PF na Operação PhD: o professor Ferla. Ceccim e Ferla foram professores de Hêider na maior parte das disciplinas e atestaram frequência. Como Hêider gerenciava a liberação de recursos do Ministério da Saúde para projetos com universidades, um dos tópicos verificados pela PF é se, de alguma forma, ele favoreceu a universidade gaúcha em troca do título. Hêider também foi beneficiário de bolsas de estudo.
Quando ZH recebeu a denúncia sobre a suposta fraude no mestrado de Hêider, servidores da UFRGS também revelaram suspeitas sobre descontrole e corrupção envolvendo o dinheiro das bolsas de estudo. Alguns deles procuraram a PF, que abriu o inquérito que resultou na Operação PhD.
A partir de cruzamento de dados, a PF descobriu um esquema de devolução de dinheiro e até triangulação de pagamentos, numa tentativa de disfarçar as ações criminosas. Os valores desviados deveriam ser investidos na formação de docentes e de pesquisadores e em outras capacitações na área da saúde pública, mas acabaram servindo para bancar viagens, passagens aéreas, estadias em hotéis e outras regalias para integrantes do grupo apontado como organizador do esquema.
Estão sob suspeita 20 projetos que envolvem um total de R$ 99 milhões em recursos. Até o momento, foi apurado que pelo menos R$ 5 milhões teriam sido desviados por meio de bolsas de estudo.
A Operação PhD é a primeira realizada no estado com uso do Laboratório de Tecnologia Contra Lavagem de Dinheiro. O laboratório permite o cruzamento de milhares de informações e produção célere de relatórios.
A série
Na reportagem especial Universidades S/A, realizada a partir de investigação conjunta com outros quatro jornais brasileiros - Diário Catarinense, Gazeta do Povo, O Estado de S. Paulo e O Globo -, Zero Hora traz o resultado de uma imersão em instituições que são berçários do conhecimento e da pesquisa do país.
CONTRAPONTOS
O que diz André Callegari, advogado de Sergio Nicolaiewsky:
"Aguardamos detalhes do indiciamento. Sei que ele agiu de boa fé. Presumiu que os coordenadores da Fundação de Apoio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Faurgs), por ele presidida, estavam fazendo o correto dentro daquilo que estava sendo executado.
O que diz Jorge Garcia, defensor de Hêider Aurélio Pinto:
"Ainda não li o relatório da PF, mas tenho certeza que o Hêider não tem qualquer responsabilidade nos fatos. Ele é vítima de um processo político. Sofre uma perseguição e tentaremos demonstrar que forçaram uma situação".
O que diz Rafael Ariza, defensor de Simone Edi Chaves:
"Ainda não tivemos acesso ao relatório da PF".
O que diz Karla Sampaio, defensora de Alcindo Ferla e Ricardo Ceccim:
"O relatório final da polícia é um passo natural da investigação e não nos surpreendeu em nada. Depois de quase quatro anos de investigação, incluídas as prisões temporárias e uma devassa sem precedentes na vida de pessoas reconhecidas internacionalmente no meio acadêmico, o documento é extremamente frágil. O delegado até assume que valores serviam para fins de custeio de despesas dos próprios projetos, ou seja, matéria de âmbito administrativo, e não criminal. Em resumo, o relatório nos parece uma infeliz repetição da tragédia ocorrida na UFSC".
O que diz a UFRGS:
"A reitoria informa que a Universidade Federal do Rio Grande do Sul ainda não teve acesso ao relatório final do inquérito concluído pela Polícia Federal. Assim que notificada, dará prosseguimento aos procedimentos administrativos internos instaurados desde a denúncia feita à Polícia Federal".
O que diz a Unisinos:
"A Unisinos não possui qualquer vínculo com os projetos investigados, desconhecendo, portanto, o desfecho dos respectivos processos. Sendo assim, informa que a professora Simone Edi Chaves não exerce mais atividades na Universidade".