Após a finalização de um dos inquéritos pelo Ministério Público (MP), a 5ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre aceitou ação contra investigados pela concessão de financiamentos que causaram prejuízos ao Badesul. Seis pessoas, entre dirigentes, ex-dirigentes e funcionários do banco de fomento gaúcho, se tornaram réus em ação civil pública de improbidade administrativa.
O MP requer que eles devolvam aos cofres públicos estaduais R$ 99,8 milhões, quantia que corresponde ao dano patrimonial causado ao erário, segundo parecer contábil anexado ao processo, pelo empréstimo do Badesul concedido à empresa Wind Power Energia em março de 2013, durante o governo Tarso Genro (PT).
Os calotes milionários ao Badesul foram revelados por GaúchaZH em setembro de 2016.
O MP quer ainda que os réus sejam condenados com base no artigo 12 da Lei de Improbidade Administrativa, que prevê, além do "ressarcimento integral do dano", sanções como perda da função pública, suspensão de direitos políticos, pagamento de multa, proibição de contratar com o poder público e de receber benefícios ou incentivos fiscais.
Em decisão publicada na segunda-feira, o juiz Marcos La Porta da Silva, atendendo a pedido do promotor Adriano Marmitt, decretou o bloqueio de bens e contas dos réus. No mesmo ato, o magistrado determinou que o restante da tramitação processual ocorra em segredo de justiça. Ele alegou que a medida se fez necessária “por ter sido determinada a quebra do sigilo fiscal dos demandados e, também, por conter dados bancários dos réus”.
Entre os réus, quatro são ex-dirigentes da cúpula do Badesul: Marcelo Lopes (ex-diretorpresidente), Pery Sperotto Coelho (ex-diretor-vice-presidente), Lindamir Verbiski (ex-diretora de Operações) e Luís Alberto Bairros (ex-diretor administrativo).
Os outros dois que respondem judicialmente continuam atuando no banco por terem estabilidade. Cassius Otharan está na função de superintendente de Risco e Ildo Fernando Meneghetti é técnico.
A operação com a Wind Power foi a mais emblemática de uma série de empréstimos concedidos pelo Badesul no governo Tarso e que, depois, não retornaram ao caixa. As empresas tomadoras dos recursos entraram em inadimplência e o Badesul, um repassador de dinheiro, ficou com as dívidas perante o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), fonte original das verbas.
A Wind Power obteve aval para R$ 50 milhões em financiamento para construir uma fábrica de geradores eólicos em Guaíba. A empresa não pagou as parcelas do empréstimo, e a indústria jamais saiu do papel. É desconhecido o paradeiro do dinheiro. A Wind Power entrou em recuperação judicial, e o banco ficou entre os credores quirográficos, aqueles sem garantia real de ressarcimento.
A reportagem de GaúchaZH, à época, mostrou que ocorreram problemas na análise de crédito e de risco do negócio. As garantias bancárias oferecidas pela Wind Power eram frágeis – também apontadas como “inidôneas” pelo MP – e a operação foi aprovada em tempo recorde. Regras de boas práticas do Banco Central e do próprio Badesul não foram observadas.
Na ação, o MP apresentou diversas falhas no financiamento, como a elevação “artificial” da nota que os bancos atribuem a um solicitante de empréstimo, o chamado “rating”. Quanto mais alto o conceito, maior a chance de aprovação da operação.
“O procedimento de liberação da linha de crédito afrontou diversas rotinas de seguranças previstas nas normas vigentes e aplicáveis ao caso. Na oportunidade da aprovação e concessão do crédito, a Wind Power Energia apresentava elevado grau de endividamento, graves restrições cadastrais, capacidade limitada de liquidar obrigações de curto e longo prazo, degradação de diversos indicadores econômico-financeiros, evidenciando que o ‘rating’ final da operação foi artificialmente elevado, em completo desalinho com boa análise de risco”, diz trecho da peça do MP, reforçada por provas contidas em relatórios de inspeção extraordinária do Tribunal de Contas do Estado (TCE) e de sindicância da Procuradoria-Geral do Estado.
Marmitt pede a condenação dos seis réus ao dizer que “embora cientes de todos os detalhes e riscos da operação, autorizaram o aperfeiçoamento de operação de R$ 50 milhões a uma empresa à beira da insolvência”.
Créditos de ressarcimento não existiam
Entre as garantias bancárias apresentadas pela Wind Power ao Badesul, estavam créditos futuros que supostamente teria a receber pelo fornecimento de equipamentos a parques eólicos. Contudo, esses estabelecimentos não foram comunicados e não deram consentimento à operação.
“Omissão que transformou a fiança inexequível e imperfeita, sem efetividade perante eventual execução dos direitos creditórios”, escreveu o MP. No final, os créditos que poderiam ressarcir o Badesul nem sequer existiram, já que a fábrica de Guaíba da Wind Power nunca existiu.
O processo em Porto Alegre transcorre na esfera civil, com o objetivo principal de ressarcir os cofres públicos. Para apurar a eventualidade de crimes contra o sistema financeiro no âmbito penal, recentemente foi aprovado o compartilhamento das peças com a Polícia Federal, que já tem inquérito em andamento, e com o Ministério Público Federal.
Na reportagem de GaúchaZH, além da fábrica de geradores eólicos, foram reveladas as situações de outras duas empresas, a Iesa Óleo e Gás e a D’Itália Móveis, que obtiveram financiamentos milionários e não pagaram o Badesul, ambas ingressando posteriormente em recuperação judicial. Os casos também estão em análise no MP, na Promotoria do Patrimônio Público, mas ainda não houve ajuizamento de ação.
CONTRAPONTOS
O que dizem Marcelo Lopes, Pery Sperotto Coelho, Lindamir Verbiski e Ildo Fernando Meneghetti
Procurados, não se manifestaram.
O que diz Luís Alberto Bairros
Afirmou que, pelo fato de o processo estar sob análise judicial, prefere não se manifestar.
O que diz Cassius Otharan
“Por enquanto, o que posso lhe dizer é que desconheço o processo em questão, tão pouco fui notificado. Mas, se os fatos forem os mesmos objeto da sindicância, sob coordenação da PDPA – Procuradoria Disciplinar e de Probidade Administrativa da PGE, temos argumentos e provas para evidenciar que não houve improbidade administrativa de minha parte. O relatório da referida sindicância foi finalizado em 18/12/2017 e conclui, no que se refere a mim, que não foram identificados elementos indicativos de fraude ou de imprudência, negligência ou imperícia, não cabendo aplicação de penalidades funcionais ao sindicado”.
OPERAÇÕES DE RISCO
- No governo Tarso Genro (PT), de 2011 a 2014, o Badesul multiplicou a liberação de financiamentos para clientes de risco.
- A política resultou em calotes porque parte das empresas não fez os investimentos projetados nem pagou as prestações.
- A aposta do governo era injetar recursos na modernização da economia do Estado, mas houve equívocos de avaliação de garantias, concentração de empréstimos em poucos clientes e baixas taxas de rentabilidade.
- Três exemplos de inadimplência são os financiamentos à Iesa Óleo e Gás, à Wind Power Energia e à D’Itália Móveis.
- O Banco Central pediu explicações sobre as operações com a Iesa e a Wind Power. O TCE abriu duas inspeções extraordinárias.
- Após ZH revelar as operações de risco e os calotes sofridos pelo Badesul, o Piratini abriu sindicância, coordenada pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE).
- O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) rebaixou, em 14 de setembro de 2016, a nota da agência gaúcha a zero, impossibilitando a captação de recursos da instituição federal. Isso praticamente inviabilizava o Badesul, que busca 98% dos seus capitais no BNDES.
- No dia 28 daquele mês, o Badesul apresentou plano de contingência e recuperou a nota de 2,2, o que garantiu margem para tomar cerca R$ 130 milhões no BNDES.
-Em 13 de março de 2017, a sindicância da PGE responsabilizou 23 pessoas, a maioria por improbidade administrativa, pelas falhas nos contratos de financiamento.