A semana passada começou com uma das maiores ofensivas já realizadas por Polícia Civil e Brigada Militar contra a interiorização de facções metropolitanas gaúchas. Foram presas 45 pessoas no noroeste do Estado, ligadas a Os Manos. Parte dos presos está envolvida em homicídios, e quase todos praticam tráfico.
A investida dos policiais comprova o que o Grupo de Investigação da RBS (GDI) constatou, num giro pelo interior gaúcho: o crime organizado com matriz metropolitana cada vez mais exibe tentáculos na fronteira com o Uruguai e Argentina:
Cidades pequenas, médias e grandes estão infiltradas por organizações criminosas gestadas no Presídio Central de Porto Alegre. É o caso de São Borja, a terra dos ex-presidentes Getúlio Vargas e João Goulart, na Fronteira Oeste.
Lá, duas organizações criminosas disputam território a tiros. Uma delas é ligada à facção Bala na Cara, nascida na Capital e que começa a se espalhar pelo Interior. A outra é o Primeiro Comando do Interior (PCI), associada à facção Os Manos, do Vale do Sinos – e que os castelhanos da fronteira já chamam de "Los Hermanos".
Os campos de batalha são claramente delimitados por grafites pintados em placas e muros: o número 141812 marca território dos Manos, e a sigla BNC significa área de atuação dos Bala na Cara. Na entrada de uma vila controlada pelo PCI, é possível ver, escrito numa parede: "Se entrar, o pau pega".
Gerson Luísi, o Baby, um dos mais experientes policiais federais gaúchos, lotado há seis anos em São Borja, assinala que entre 2015 e 2017 ocorreram 27 homicídios nesse município. Todos relacionados à guerra entre PCI e Bala na Cara.
— Realizamos seis operações, prendemos os líderes, a coisa acalmou um pouco, mas sempre retorna — descreve Baby.
A maior dessas ações foi a Operação Velho Oeste, que abrangeu Uruguaiana, Itaqui e São Borja e teve mais de 70 indiciados por crimes como porte ilegal de armas, contrabando, tráfico e homicídio.
Num dos casos, o chefe de um bando ligado aos Bala na Cara foi executado por motoqueiros quando saía de uma barbearia, à luz do dia, com pessoas passando na rua. Um inocente, que assistia a um culto religioso, também foi baleado.
Outro caso teve ainda mais repercussão, porque mostrou que a guerra das facções do Interior alcança a Capital. Em 8 de novembro de 2016, Bruno Dornelles Ribeiro foi assassinado com vários tiros em plena Rodoviária de Porto Alegre. Ele tinha acabado de chegar de São Borja. O assassino veio no mesmo ônibus que ele, o seguiu e executou de tarde, em meio a uma multidão e próximo a policiais.
Bruno era desafeto do Primeiro Comando do Interior (PCI), a facção fronteiriça ligada a Os Manos.
— Aos moldes mafiosos. São coisas que não víamos no Interior. Por isso as polícias têm agido em conjunto — relata o comandante da BM em São Borja, major Aníbal Silveira.
Policiais criam grupo de mensagens
O promotor de Justiça Robson Barreiro, de São Borja, confirma que, de cada 10 homicídios que ocorrem lá, oito são guerra de facções. Ele conseguiu, há poucos dias, a condenação do líder do PCI a 30 anos de reclusão, por homicídio qualificado. Semanas atrás a Polícia Civil apreendeu, em São Borja, um fuzil automático e várias pistolas, contrabandeados desde a Argentina para integrantes do grupo.
A franquia das facções criminosas porto-alegrenses se espalha inclusive para cidades bem menores que São Borja, como Crissiumal, no noroeste gaúcho, onde canchas de esporte exibem números ligados a Os Manos.
A saída encontrada pelas autoridades é integração das polícias, inclusive colaboração com as Polícias do Exterior, como os argentinos.
— Mantemos grupos de Whatsapp com policiais argentinos, para coibir abigeato e tráfico, os principais crimes aqui da fronteira. Dia desses recuperamos um lote de cavalos de raça furtados, levados de canoa pelo rio Uruguai — ilustra a delegada Elisandra Batista, de Itaqui.
Exemplo de entrosamento ocorreu também quando um grupo de oito assaltantes brasileiros matou dois policiais argentinos em El Soberbio (fronteira da Argentina com o Rio Grande do Sul), em 2015. Quatro bandidos foram presos em flagrante do lado brasileiro, ainda armados e com dinheiro roubado, graças ao entrosamento da polícia argentina com a Brigada Militar.
— Já que o crime não tem fronteiras, nós, como operadores da segurança, também não podemos ter. Devemos respeitar a soberania de cada nação, mas a palavra de ordem é integrar — resume o delegado da Polícia Federal Getúlio de Vargas, coordenador da Operação Sentinela, que unifica ações das diversas polícias brasileiras na fronteira.