Acostumados com uma rotina mais pacata, moradores do Noroeste ignoraram o amanhecer gelado e apareceram mais cedo nas portas e janelas nesta terça-feira (24). O som de um helicóptero que sobrevoava as cidades se misturava com o das sirenes das viaturas. Era o ápice de uma investigação da Polícia Civil, com início há um ano, após investigadores perceberem que uma facção, com sede no Vale do Sinos, vinha estabelecendo domínio na região, por meio do tráfico de drogas. Como forma de tentar frear a interiorização do grupo criminoso, mais 47 pessoas foram presas nesta etapa da Operação Android.
Assim como a ação policial chamou a atenção dos moradores, a presença destes criminosos foi percebida pelos investigadores há cerca de um ano. Os homicídios na região — formada por 19 municípios alvos da ofensiva desta terça — aumentaram de 19, em 2016, para 28 em 2017. Além do acréscimo, o perfil dos mortos também passou a ser outro.
— Normalmente, os casos que tínhamos envolviam violência doméstica, briga de vizinhos ou outros crimes pontuais. Não havia essa questão da disputa pelo tráfico — explica a delegada regional, Cristiane de Moura e Silva Braucks, durante coletiva para a imprensa.
Dos assassinatos, pelo menos 11 foram vinculados à facção, por conta da cobrança de dívidas e de disputas pelo tráfico. Os crimes ocorreram em Redentora, Tenente Portela, Santo Augusto, Carazinho e Novo Hamburgo. Outro homicídio, também vinculado ao grupo, aconteceu no ano passado na cidade argentina de El Soberbio, a cerca de 40 quilômetros de Três Passos. Um traficante, de Santo Augusto, foi executado. O crime teria ocorrido após desavenças com membros do mesmo grupo.
A investigação também apontou que a facção esteve envolvida em crimes patrimoniais, como assaltos a lotéricas, comércios e residências e roubos de veículos. Um roubo a banco, ocorrido no começo deste ano, em Braga, cidade com 3,7 mil habitantes, também é atribuído à facção com base no Vale do Sinos. Seis assaltantes armados assaltaram uma agência do Banrisul, no Centro. Os crimes estariam sendo cometidos, segundo a Polícia Civil, por ordem da organização criminosa e também para saldar dívidas com os traficantes.
Embora a maioria dos mandados tenha sido cumprida em residências, o principal alvo da operação está atrás das grades. Ao longo da apuração, a polícia conseguiu identificar presidiários que seguem comandando ações criminosas de dentro das cadeias. Eles seriam responsáveis por fazer o elo entre o Vale do Sinos e a Região Noroeste. Por isso, também foram cumpridas ordens de prisão preventiva em casas prisionais de Ijuí, Charqueadas, Montenegro, Três Passos, Lagoa Vermelha e Carazinho.
— Das principais lideranças do tráfico de drogas, 99% estão no sistema prisional e ocorre, infelizmente, a comunicação com o meio externo, o que acaba incidindo no tráfico e em outros crimes, como execuções e roubos. Essa operação busca justamente frear a proliferação dessas organizações criminosas no Interior — afirmou o chefe da Polícia Civil, delegado Emerson Wendt.
Durante a operação nesta terça-feira, foram presas 40 pessoas que tinham mandado de prisão, além de outras cinco em flagrante. As detenções ocorreram em diferentes municípios e os nomes dos presos não foram informados pela polícia. A ação foi considerada pela corporação uma das maiores já realizadas no combate ao crime organizado no Interior.
Transporte, fracionamento e entrega de drogas: o esquema
Ao longo das investigações, a polícia apurou que os líderes, de dentro dos presídios, vinham gerenciando as cadeias do comércio de drogas nessas cidades do Interior, como transporte, fracionamento e entrega para gerentes regionais e locais. Os gerentes regionais eram responsáveis por receber o entorpecente, transportado de Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, até a região, e fazer a distribuição para traficantes de outros municípios.
Não havia cidade na região que em não houvesse a presença desse grupo criminoso. Boa parte da comunidade nem conhecia a periculosidade desse grupo e está sabendo agora, por conta dessa ação.
VILMAR SCHAEFER
Delegado responsável pela Operação Android
— Não havia cidade na região em que não houvesse a presença desse grupo criminoso. Boa parte da comunidade nem conhecia a periculosidade desse grupo e está sabendo agora, por conta dessa ação — afirmou o delegado Vilmar Schaefer, que coordenou as investigações na região.
Nesses municípios, a polícia também percebeu que a facção passou a pichar muros, residências, viadutos e postes com os números 14, 18, 12, que representam as inicias da facção no alfabeto (OSM). Em Três Passos, equipes da prefeitura apagaram as inscrições simultaneamente à operação.
A investigação
As investigações tiveram início em julho de 2017 e, desde então, 55 pessoas foram presas e sete adolescentes apreendidos, principalmente na Região Noroeste e no Vale do Sinos. Neste período, foram presos responsáveis pelo transporte das drogas do Vale do Sinos e suspeitos de serem responsáveis por execuções a mando da facção. Também foram apreendidos cerca de 180 quilos de drogas. A operação recebeu o nome de Android por conta do trabalho de inteligência de dados realizado ao longo das investigações.
A operação
Cerca de 200 policiais civis, com o apoio de cem policiais militares e 15 policiais rodoviários federais, participaram da operação, que contou com uso do helicóptero da Polícia Civil. Foram cumpridas 104 ordens judiciais, sendo 43 mandados de prisão e 61 de busca e apreensão. Na Região Noroeste e na Região Norte, está concentrada a maior parte das cidades onde foram cumpridos mandados: 15 delas. Os policiais também fizeram buscas no Vale do Sinos, Vale do Taquari, Região Central, Região Carbonífera e Vale do Caí, além de Santa Catarina.