Ex-vereador, Clóvis Reprise (PSD) sofreu duas condenações criminais em 2016, com penas de três anos e seis meses e de sete anos e dois meses de detenção. Conforme a promotora autora da ação penal, Rochelle Jelinek, ele "é um dos principais causadores da favelização" do município de Alvorada.
As sentenças, por parcelamento ilegal do solo e crimes ambientais, dizem respeito à implementação, entre 2000 e 2002, de uma série de loteamentos clandestinos: Jardim Reprise I, II e III. Clóvis recorreu.
– Na época, ele era vereador e utilizava as dependências da Câmara Municipal de Alvorada para promover a venda de lotes – ressalta Rochelle.
Em novembro de 2015, o político chegou a ser preso preventivamente – ficou alguns dias na cadeia e acabou solto por habeas corpus – por insistir em criar o Reprise IV. A promotora alegou que o empreendimento "coloca em risco a vida financeira de centenas de pessoas com parcos recursos e que muitas vezes perdem tudo investindo em lote de um empreendimento notoriamente ilegal e sem qualquer infraestrutura".
Torre de energia sob risco de queda após escavação
Naquele ano, condenação cível em segunda instância confirmou as irregularidades como "parcelamento clandestino do solo e consequente edificações irregulares, realidade que conduz a prejuízo tanto para a coletividade quanto para o particular que, por desventura, venha a adquirir lote no local, na medida em que não há qualquer garantia de que serão observados os padrões legais de urbanismo, com adequada infraestrutura, requisito mínimo para disponibilizar moradia digna".
Ainda assim, Clóvis não se deu por vencido. A última ação do poder público contra o Reprise IV foi da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), em 2016. O ex-vereador foi multado por risco de queda de torres de alta tensão provocada pelo empreendimento.
Conforme auto de infração lavrado por fiscais da Secretaria do Meio Ambiente do município de Alvorada, "as escavações feitas afetam diretamente a segurança das torres de alta tensão devido ao corte realizado no barranco possuir ângulo reto de aproximadamente seis metros de altura e por estarem juntos às torres".
Os fiscais anotaram que uma máquina retroescavadeira e uma caminhonete fugiram com a chegada da patrulha ambiental na área, a mesma onde, anteriormente, havia sido feita autuação por escavação irregular.
"O material removido provavelmente seja o mesmo utilizado para aterrar as áreas úmidas, lindeiras às escavações, conforme comprova-se nas fotos aéreas, onde é possível acompanhar a evolução do dano ambiental causado pelo desmatamento e movimentação de material sem qualquer critério técnico", alerta o boletim de infração.
Os fiscais ressaltaram que um antigo açude da propriedade foi aterrado para construção dos lotes, que continua avançando em direção às nascentes. "Foram aterrados no mínimo quatro hectares de área de proteção ambiental, resultando também na derrubada da vegetação e na disposição de todo tipo de material como lixo, caliça e outros".
O Reprise IV, como indica o nome, é o quarto loteamento implementado pelo ex-vereador Clóvis Reprise a virar questão judicial em Alvorada. Mesmo assim, as vendas continuam. Multiplicam-se anúncios de casas, com números de telefone para contato com os proprietários. Uma residência foi ofertada pela dona, que não sabia estar falando com repórteres do GDI, por R$ 60 mil. Em outra, o preço era R$ 50 mil, mas o comprador deveria assumir 17 prestações de R$ 200. Em uma terceira casa, também oferecida por R$ 50 mil, a proprietária alerta:
– Luz e água são gato (clandestinas). Só depois que resolverem na Justiça é que vão legalizar.
Lotes do Reprise IV também são vendidos em um escritório na Rua Pedro Carneiro Pereira, 448, bairro Formosa, em Alvorada. Ali é a sede nominal da Sociedade Comunitária Habitação e Cidadania, fundada por Clóvis. O GDI foi ao local, onde há fotos do ex-vereador penduradas nas paredes, e perguntou pela venda de terrenos.
Uma vendedora ofereceu lote por R$ 8 mil de entrada e 60 prestações de R$ 300 mensais. Assegurou fornecimento de água e luz, "se cercar o lote e der andamento nos papéis". Outra vendedora apresentou oferta pelos mesmos R$ 26 mil, mas à vista, e disse que a escritura "deve sair em dois anos". As garantias seriam um contrato de compra e venda e um recibo. Não foi feita qualquer menção à necessidade de se filiar à sociedade comunitária.
O procurador-geral da prefeitura de Alvorada, Mauro Bestetti Otto, assistiu aos vídeos gravados pelo GDI e diz que todas as ofertas de venda feitas por moradores do Reprise IV ou pela sociedade não têm valor legal.
– São empreendimentos absolutamente ilegais, tanto do ponto de vista judicial quanto do administrativo. Eles não têm licenças ambiental, de implementação. Clóvis ingressou com pedido de viabilidade na prefeitura, juntou alguns documentos e nunca mais deu prosseguimento. Mesmo assim, iniciou o loteamento. O município determinou que cessasse a obra e a Justiça estabeleceu multa de R$ 5 mil por venda. Ele reiteradamente descumpre a ordem judicial nesse sentido.
O que diz Clóvis Nissola Vieira, o Clóvis Reprise
Na sede da Sociedade Comunitária Habitação e Cidadania, em Alvorada, o ex-vereador afirmou que angaria fundos para compra de lotes pelo sistema de associativismo. O interessado ganharia direito e ações sobre lotes que serão constituídos em terreno privado. Ele nega que o escritório atue como imobiliária e assegura que não recebe dinheiro pelas vendas.
– Apenas organizo para quem quer comprar. Há 30 anos faço lotes em regime de mutirão. Mais de 8,5 mil famílias conseguiram terrenos com minha ajuda, gente que não tem acesso a financiamento bancário ou a programas como o Minha Casa Minha Vida. Faço um lote por R$ 26 mil, enquanto o governo exige R$ 60 mil – alega.
Reprise afirma também que, por ter mais de 25 hectares, seu terreno loteado não poderia ser fiscalizado pela prefeitura, apenas pelo governo estadual, e recorre contra as multas recebidas. Ele admite que a luz no loteamento é "gato" (clandestina), mas argumenta que a CEEE deve dinheiro pelas torres que implantou no terreno. Procurada, a companhia de energia não deu retorno até a publicação desta reportagem.
O que diz a CEEE, citada por Reprise
As linhas de transmissão nas áreas onde estão os loteamentos Reprise foram instaladas no local antes de estas serem adquiridas pelo atual proprietário. Onde existem torres e linhas de transmissão há restrições de construção nas proximidades e a Companhia diligencia para que as restrições sejam observadas. Assim, em face de uma invasão sob as linhas existe uma ação de reintegração de posse em andamento, na qual o Poder Judiciário proibiu a execução de atividades de escavação no local, em razão do risco de dano à Linha de Transmissão da CEEE.
A área foi adquirida já com o processo judicial de formalização da servidão em andamento — as linhas já existiam. Até a data de hoje, 15/12, o processo continua em tramitação.