As modalidades de venda de lotes em áreas rurais transformadas ilegalmente em ocupações urbanas variam. Uma das principais é a de proprietários que, por conta própria, dividem a terra, como explica uma mulher encarregada de mostrar terrenos a interessados na localidade de Fazenda Vargas, em Gravataí. Sem se identificar, um repórter do GDI perguntou durante visita aos terrenos quantos lotes estavam à venda.
– Bastante. Primeiro o dono quer vender esses aqui. Depois, aqueles no lado do meu sítio lá – respondeu a mulher, apontando para uma área vizinha.
A comercialização também é feita por corretores profissionais, que ofertam preços atrativos ao tentar fechar negócio.
– A gente trabalha com esse tipo de empreendimento, que é uma espécie de condomínio. Os lotes de R$ 29,9 mil são os de 900 metros quadrados – descreve um corretor de Gravataí.
As imobiliárias sabem que não poderiam vender terrenos assim, mas tentam passar ar de legalidade. Na área rural do município de Taquara, no Vale do Paranhana, um corretor que apresentava condomínio na localidade de Fazenda Fialho sacou até uma planta arquitetônica da área. Quando o repórter do GDI (sem se identificar) perguntou sobre escritura, ele desconversou:
– Escritura é no final. É de condomínio. A gente coloca todo mundo na mesma escritura. Porque em área rural, para individualizar tem que ser no mínimo 20 mil metros quadrados.
A extensão mencionada pelo corretor é a mínima permitida por lei para propriedades rurais na região, sem possibilidade de divisão em terrenos menores, como os de 900 m2 e 1 mil m2 que ele oferecia.
Sem amparo legal, sistemas clandestinos de água e luz
Coordenador do centro de apoio operacional de defesa do meio ambiente e questões fundiárias do Ministério Público, o promotor Daniel Martini ressalta que a Lei do Parcelamento do Solo (6.766 de 1979) define a criação de loteamentos sem autorização do poder público como crime, cuja pena pode variar de um a cinco anos de prisão, a depender da existência de agravantes.
Martini enfatiza que a atividade ilegal acaba prejudicando a população inteira. Todos os cidadãos, ao fim, pagam para levar sistemas de esgoto, água e energia até esses novos espaços que não foram planejados para tanta gente. Sem o amparo legal para solicitação de serviços básicos às prefeituras, ligações clandestinas, conhecidas como gatos, são a regra. A fala de outro corretor, que não sabia estar conversando com a reportagem do GDI, comprova:
GDI – E essa questão de luz e água?
Corretor – Água, é de poço artesiano. Cada um faz o seu. É mais tranquilo. Até poderia fazer um poço comunitário, mas melhor cada um fazer o seu.
GDI – E a luz?
Corretor – A gente põe os postes aqui dentro e tu vai ter individual. Cada um vai ter o seu contador, mas a central é lá na frente. Essa central é que vale para a RGE (companhia de energia elétrica). A conta vem ali, mas temos os medidores para cada um.