Dias depois de adquirida por Faustino da Rosa Junior, a Facspar, inativa, "formou" o dono e um grupo de 16 funcionários dele bacharéis em Administração sem que tivessem colocado os pés em São Mateus do Sul (PR). Foram preenchidos históricos com notas de aprovação em disciplinas e emitidos os diplomas. ZH obteve cópia do diploma expedido para Faustino.
Os títulos seriam validados em Sergipe, por meio de um convênio com a Universidade Tiradentes (Unit), de Aracaju. A instituição é credenciada pelo Ministério da Educação (MEC) para efetuar o registro dos documentos e não sabia da farsa. Uma planilha da Unit revela que a universidade daria a chancela e aguardou o diploma de Faustino, que não foi enviado por razões desconhecidas. Questionada por ZH, a Unit confirmou que esperou por seis meses a remessa de um lote de diplomas da Fascpar para registro, mas não os recebeu.
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Uma das pessoas beneficiadas com o diploma falso da Fascpar é o médico paulista Thomas Stockmeier, 56 anos, ex-funcionário do grupo Facinepe.
– Foi emitido um diploma de Administração em meu nome, mas nunca assisti a uma aula. Morava em Belém do Pará. Nunca fui na Facspar. Nem sei onde fica – admite o médico, com uma cópia do documento em mãos.
Especialista em medicina do trabalho e homeopata, Stockmeier conheceu Faustino dando aulas em cursos de pós-graduação, no norte do país, em 2012. Tornaram-se amigos, e ele aceitou convite para ser professor e um dos dirigentes do grupo Facinepe em Porto Alegre. Mas, em 2015, os dois romperam relações e Stockmeier deixou a empresa, segundo ele, após descobrir irregularidades. Desde então, o médico, que trabalha em uma clínica no bairro Floresta, na Capital, tem apresentado queixas contra Faustino em órgãos policiais e no MEC.
Além disso, criou um site no qual publicou uma série de acusações contra Faustino e foi processado por ele. Uma decisão liminar proíbe o médico de abastecer o site até a conclusão da ação na Justiça.
Embora não tenha qualquer atividade nos endereços que aponta como sede e esteja sem alunos, a Facspar segue anunciando em seu site vagas para o curso de graduação em Bacharelado em Administração, "na modalidade presencial na cidade de São Mateus do Sul, com processo seletivo constantemente aberto, sob demanda".
– O que define uma instituição de Ensino Superior é a oferta de graduação. Se não tem, não pode ser classificada como tal – assegura o doutor em Educação Sérgio Roberto Franco, professor da Faculdade de Educação da UFRGS, ex-integrante do Conselho Nacional de Educação e do Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior do MEC.
Certificados e cursos sob risco de invalidade
Além de realizados na sede do grupo em Porto Alegre, os cursos do Facinepe são executados em salas locadas em hotéis em outras capitais, com aulas aos finais de semana. Em média, ocorre um encontro a cada 60 dias, ao longo de dois anos. O aluno paga mensalmente até R$ 4 mil para ter o certificado.
– Esses certificados não têm valor, a instituição está desativada – acrescenta o professor Franco.
O caso é investigado pelo MEC. Só universidades, centros universitários e faculdades devidamente credenciados pelo ministério podem emitir certificados de curso de pós-graduação.
A Fascpar, que chancelaria os documentos em nome do Facinepe, está com o credenciamento vencido desde 2012.
Segundo o Conselho Nacional de Educação, vinculado ao MEC, quando a renovação do cadastro é encaminhada no último ano do prazo inicial, essa medida prorroga automaticamente a validade até o fim do processo. Não é o caso da Facspar. Ações para reativar a faculdade só ocorreram em maio de 2015. Foram enviados ao MEC três pedidos – dois para recredenciamento da instituição e outro para reconhecimento do curso de Administração, mesmo sem alunos. O ministério acabou arquivando os pedidos porque a instituição não preencheu formulários.
Em dezembro de 2015, foi feita nova solicitação de recredenciamento, ainda pendente. Nesse meio tempo, uma queixa sobre a faculdade chegou ao MEC. Avaliadores foram de surpresa até São Mateus do Sul e encontraram os pavilhões fechados.
Ministério da Educação avalia caso sob sigilo
Procurado por ZH, o ministério evita divulgar informações, sob alegação de tratar o assunto em sigilo. De acordo com a assessoria de comunicação do órgão, "o caso está sob análise de supervisão e, se algo for divulgado, pode ser interpretado como posição do MEC, sem que a investigação esteja concluída".
Sobre o outro endereço – onde a reportagem encontrou apenas uma placa em um prédio vazio –, o órgão federal diz que o pedido de alteração está sob avaliação, que também dependerá de visita ao local.
A Facspar informa no site do MEC ter capacidade de ofertar 637 tipos de especialização lato sensu. Grande parte dos cursos é nas áreas de saúde e de medicina, variando de acupuntura a cirurgia plástica internacional. Outro curso curioso é o de "especialização em clínica médica e cirurgia de animais selvagens e exóticos". Ele aparece disponível em 11 unidades em oito Estados, sendo uma delas na Rua Padre Zygmundt, em São Mateus do Sul, onde os pavilhões da Facspar estão fechados desde 2011.
O médico Stockmeier, que trabalhou como professor de pós-graduação do Facinepe, diz que "foi forçado" pelo grupo de Faustino a ministrar aulas de especialização em oftalmologia sem ter conhecimento para isso:
– Faltou professor e me colocaram para dar aula. Avisei que não tinha domínio do assunto. Aí, o Faustino providenciou um certificado de especialista em oftalmologia da Facspar em meu nome. Fui forçado a aceitar para não perder o emprego, mas depois pedi demissão por não concordar com o que estava acontecendo.
CONTRAPONTO
O que diz Faustino da Rosa Junior
Procurado pela reportagem junto ao Facinepe, informou que se afastou da instituição por razões que prefere não informar e que não se manifestaria individualmente.
O que diz o grupo Facinepe
Sobre Faustino e diplomas falsos emitidos para ele e funcionários da Facspar
Por meio de nota, afirma que Faustino "não é mais CEO do Grupo Educacional Facinepe" e que a informação da emissão de diplomas falsos "não é verdadeira".
Sobre diploma falso entregue ao médico Thomas Stockmeier
“A instituição foi vítima de má-fé e condutas criminosas” de Stockmeier “que produziu certificado(s) para si”.
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