A enchente histórica que atingiu o Rio Grande do Sul em maio de 2024 ainda não terminou para quase 1,7 mil pessoas. Isso porque elas seguem desabrigadas, vivendo em Centros Humanitários de Acolhimento (CHA) e em abrigos de 21 cidades. Há mais de seis meses, o grupo não consegue voltar para casa.
Os dados são da Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social. O levantamento é realizado semanalmente com as prefeituras. Até esta quinta-feira (7), havia 1.667 pessoas acolhidas em 34 espaços temporários.
Porto Alegre e Canoas contabilizam os maiores números de desabrigados. Na Capital, 372 pessoas vivem no Centro Humanitário de Acolhimento Vida, na Zona Norte. Já em Canoas, são 488 moradores em dois centros. Os locais são geridos pela Agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para migração (OIM).
Nos CHA, há lavanderia coletiva, berçário, fraldário, ambientes multiuso, espaços infantil e de conectividade, além de um posto médico e policiamento. Os dormitórios são divididos por alas do grupo familiar, feminina, masculina e LGBTQIA+. Só é possível entrar ou sair do espaço entre as 6h e as 22h.
Moradora da Ilha das Flores, Lorena da Cruz Gomes, 66 anos, chegou ao Centro Vida no mês de julho após ser salva pelo filho. Ela vivia em uma casa alugada, que foi destruída pela enchente. Desde então, Lorena passa os dias à espera de um lar.
— Quando cheguei pensava que era só temporário, mas com o passar dos dias a convivência vai ficando mais difícil. A gente fica ansiosa para ir embora, para voltar a ter uma rotina — conta.
No local, Lorena firmou amizade com Flávia Bevilaqua Lobo, 61. Ambas se tornaram inseparáveis e fazem companhia uma para outra. A moradora do bairro Sarandi também aguarda ser contemplada por um programa habitacional.
— Se eu pudesse, ia embora hoje mesmo. Minha casa ficou coberta pela água, por isso estou aqui. Mas não é fácil. São vários tipos de pessoas em um espaço, sempre tem estresse. Nunca pensei em passar por isso na vida — relata Flávia.
Em setembro, a moradora do Sarandi perdeu a única filha em um acidente de trânsito. Ela revela dificuldade para lidar com o luto em meio à realidade que vive:
— O emocional da gente já fica abalado com a enchente e tudo que vivemos. Quando perdi minha filha, minha mente ficou pior ainda. Eu perdi tudo, literalmente. Minha filha, minha casa e minha história.
Sem janelas
Além das questões emocionais e da espera por uma nova residência, as moradoras dizem que o calor é uma das principais dificuldades enfrentadas atualmente no Centro Vida. A estrutura é feita de lona, o que torna o ambiente mais abafado. Não há janelas e nem ventiladores. Na área de convivência, onde as mais de 300 pessoas se reúnem para assistir à televisão, também não há circulação de ar.
— É uma questão de saúde pública. Não tem ventiladores e nem tomadas nos dormitórios. Como vamos dormir em um lugar fechado sem ao menos um vento? Tenho problemas de saúde e passo mal com o calor. Se na rua está 30°C, aqui dentro a sensação térmica é de quase 40°C — avalia Flávia.
— Agora com o verão fico pensando como vai ser. A gente passa o dia sentada na rua, tentando lidar com o calor — completa Lorena.
O morador da Ilha do Pavão Taciano Carvalho da Silva, 28, vive em um dormitório com a mãe, o padrasto e os irmãos. Ele foi contemplado com uma casa, mas ainda busca pelos documentos necessários. Enquanto isso não acontece, segue no CHA.
— Há poucos dias instalaram um bebedouro aqui. Mas sem ventilador é difícil. A gente toma vários banhos por dia e mesmo assim passa calor — relata Taciano.
Em nota, o governo do Estado informou que trabalha em conjunto com a OIM, responsável pela gestão dos espaços, para fazer melhorias na ventilação nos Centros Humanitários de Acolhimento (CHAs). Segundo o comunicado, exaustores serão instalados a partir da próxima segunda-feira (11) e ventiladores estão sendo adquiridos. Além disso, um sistema de dutos de refrigeração está sendo elaborado.
Conforme o vice-governador do Estado, Gabriel Souza, até que as famílias sejam atendidas pelos programas habitacionais os Centros Humanitários de Acolhimento vão seguir funcionando.
O governo federal prometeu dar uma casa nova a todas as famílias das faixas 1 e 2 do Minha Casa, Minha Vida que tiveram moradia destruída pela inundação. Até o começo de novembro, cerca de 400 foram entregues, de uma projeção de, pelo menos, 17,3 mil.
O Executivo estadual vem fazendo entregas de moradias provisórias — devem ser cerca de 500 no total, das quais 212 já foram concedidas. O Piratini ainda projeta dar 648 residências definitivas aos flagelados, com entregas começando em 2025.
No Interior gaúcho, ao menos cinco cidades ainda tinham, nesta quinta, entre 50 e 150 pessoas em abrigos seis meses após a enchente: Encantado, Canela, Arroio do Meio, Cruzeiro do Sul e São Jerônimo.