Ao longo do próximo ano, a Aldeias Infantis SOS acompanhará cerca de 240 famílias residentes na zona norte de Porto Alegre no processo de reestruturação pós-enchente. A ação humanitária foi anunciada nesta quinta-feira (7), na unidade da organização em Porto Alegre, localizada no Sarandi, bairro severamente afetado pela enchente.
Após uma catástrofe, são necessárias iniciativas para apoiar as famílias no processo de reconstrução, destacou Michéle Mansor, gerente nacional de Desenvolvimento Programático da Aldeias Infantis SOS. Para isso, a organização está desenvolvendo três ações nas comunidades Asa Branca e Fazendinha, no Sarandi, financiadas por meio de doações nacionais e internacionais:
- Desenvolvimento de capacidades técnicas: preparar as comunidades e a equipe local para saber como responder rapidamente frente a desastres e como evitá-los
- Apoio emocional e financeiro: oferecer apoio psicossocial e financeiro às famílias para a retomada. O valor é variável conforme a necessidade de cada família, podendo ser utilizado para a compra de remédios, alimentos, materiais – por meio de um cartão multipropósito –, além de incluir doações de itens
- Dois espaços amigáveis: criação de espaços para que 180 crianças e adolescentes possam ficar em segurança enquanto os pais trabalham ou resolvem burocracias, no contraturno escolar
Para isso, as equipes, formadas por psicólogos, assistentes sociais e assistentes de desenvolvimento familiar e comunitário, fornecerão suporte emocional, orientação social e acompanhamento ao longo do processo de reestruturação. As ações vão ajudar a construir uma rede de apoio e uma comunidade mais segura e protetora para as crianças, conforme Michéle.
— São comunidades muito vulneráveis, a retomada para essas pessoas é mais difícil. Perderam suas coisas, seus pertences, suas fotos, suas memórias, muito da sua própria história — destacou.
No momento inicial de uma catástrofe, há uma mobilização rápida para ajudar. Porém, depois, as pessoas acabam esquecendo das tragédias, ressaltou:
— Depois que as águas baixam, ainda muita coisa fica para ser resolvida. A importância está em mostrar que a gente continua aqui por essas pessoas, a gente sabe que ainda dói, que ainda é difícil, há um processo de reconstrução, então poder apoiá-las nesse processo é muito importante. Essa possibilidade dá às famílias um alento para a retomada e reconstrução da própria vida.
Mais de 14 mil pessoas impactadas
Desde a catástrofe climática de maio, a Aldeias Infantis SOS tem promovido ações de emergência. A organização de cuidado e proteção distribuiu mais de 105 toneladas de suprimentos, como colchões, cobertores, cestas básicas, itens de higiene e limpeza, beneficiando mais de 14,9 mil pessoas. As ações emergenciais foram pontuais, e agora, inicia-se a ação humanitária, a longo prazo, segundo a organização.
Uma das famílias impactadas foi a de Vanessa Olmes, 36 anos, moradora da Asa Branca. Casada e mãe de três filhos, a diarista teve a casa afetada pela enchente. Vanessa se emocionou ao relatar, no evento, que há 15 dias conseguiram retornar para casa, que ainda está sendo finalizada com a ajuda da Aldeias – considerada essencial.
— Estou tentando levar a vida, mas não é fácil. Mas como me sinto empoderada, vou conseguir, e estou levando isso para os meus filhos — ressaltou.
Vanessa conheceu a organização durante a enchente e avaliou o acompanhamento recebido como “maravilhoso”:
— Em termos da conversa, do simples fato de chegar e dizer: "Realmente, como vocês estão?", e não o que precisam de doação. Simplesmente um abraço, muitas vezes foi o que a gente precisava, um verdadeiro apoio, dizer: vocês vão conseguir, não precisam ir embora, largar tudo porque vai acontecer novamente. São guerreiros. É o que a gente vem tentando, se reerguer com muito carinho e muito amor e agradecer que, com toda essa tragédia, a gente continua vivo.
"São os anjos na minha vida"
A família de Jéssica Melo, 33, também foi afetada pelas ações e continuará a ser atendida – todos os grupos familiares já foram selecionados. Ela perdeu a casa na tragédia e enfrenta doenças crônicas graves e limitantes. Ao mesmo tempo, cuida do marido, que é esquizofrênico, e de três filhos, um com deficiência. Aposentada com um salário mínimo, precisa comprar remédios e garantir o sustento. Para retornar à casa, a família improvisou com tapumes e cobertas.
O apoio da organização em meio a esse cenário tem sido fundamental – inclusive para conseguir remédios. Jéssica conta com a entidade para se reerguer – sua maior necessidade atual é uma casa pré-moldada, com um quarto digno para os filhos.
— Eles são uma família para mim, eles me ajudam muito, muito, muito. Estão sempre dispostos a ajudar, são os anjos na minha vida. Se não fosse a ajuda deles com alimentação, higiene, essas coisas, eu não ia ter como manter, não tenho — relatou à reportagem.
Jéssica tem o sonho de vender doces, salgados e marmitas para conseguir proporcionar melhores condições aos filhos.
— Tenho certeza que eles (Aldeias) vão me ajudar — afirmou. — É difícil para mim, mas todo dia eu tento respirar fundo e dizer: eu vou vencer.
Muitas das melhorias têm sido possíveis graças ao auxílio de Aline Marques, assistente de desenvolvimento familiar e comunitária do Aldeias Infantis SOS. Sua atuação é reconhecida com carinho pela comunidade – e Aline se sente lisonjeada e feliz em estar impactando tantas vidas.
— Desde o início, eu estou na linha de frente e fui atingida também. Então, eu acredito que isso faz com que as pessoas se identifiquem mais comigo. Junto a Aldeias, a gente conseguiu transformar, com certeza, mais de 70 famílias. E, nossa, eu não tenho palavras. Muito feliz com o andamento do projeto. Mudou a vida delas e mudou a minha, com certeza — relatou.
Simbolismo
O evento também contou com o descerramento de uma placa em celebração à reconstrução do espaço, que ficou inundado por cerca de 20 dias. Por esse motivo, e pelo fato de a Capital ter recebido a primeira unidade da organização em 1967, o lançamento da ação humanitária foi simbólico para a organização.
Além disso, foi firmado um termo de cooperação técnica com a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, com vistas ao atendimento jurídico e ao monitoramento dos projetos. Além do acompanhamento, a organização promoverá uma exposição fotográfica itinerante, que reúne imagens captadas pelas equipes nas primeiras semanas da enchente.
Sobre a Aldeias Infantis SOS
A Aldeias Infantis SOS (SOS Children’s Villages) é uma organização global, de incidência local, que atua no cuidado e proteção de crianças, adolescentes, jovens e famílias. Trabalha junto a meninos e meninas que perderam o cuidado parental ou estão em risco de perdê-lo, atuando com famílias, além de desenvolver ações humanitárias.
Doações podem ser feitas pelo site.