Uma conversa sincera sobre investimentos exige verdades incômodas, mas necessárias. A número 1 é: investimento não faz milagre, portanto esqueça a ideia de aplicar hoje e multiplicar amanhã. Saiba também que uma promessa de rendimento altíssimo sem nenhum risco é cilada. E o mais importante: investir exige vontade de aprender sobre um mundo realmente complexo. Se você não desistiu da leitura, a parte boa: é possível cuidar do seu dinheiro e ter bons resultados.
Comece brincando de Sócrates e conhecendo a si mesmo. Seu perfil de investidor pode ser conservador, moderado ou arrojado. Bancos, corretoras e a própria internet oferecem testes para descobrir. Aliás, você precisa respondê-los periodicamente.
O conservador se arrisca menos e escolherá uma rentabilidade previsível. Já o arrojado pode optar por menos garantias. No centro, claro, o moderado. Independentemente do perfil, uma dica valiosa é diversificar.
– Assim não precisamos nos preocupar tanto com o mercado. Evita de ficar resgatando, pagando imposto e começando de novo para se adequar aos cenários – diz a planejadora financeira certificada pela Associação Brasileira de Planejamento Financeiro (Planejar) Nayra Sombra.
Vale diversificar tipos de investimento e instituições onde os fará. Isso equilibra a rentabilidade em cenários diferentes, como de alta da Selic, favoráveis às aplicações conservadoras (da renda fixa), ou de juro baixo, melhores para os ativos arrojados (de renda variável).
Onda da renda fixa
Os mais antenados pegaram a deixa: com a Selic em 10,75% e apontando para cima, a onda agora é dos investimentos de renda fixa, de curto ou longo prazo. Eis outro ponto importante: ter objetivo claro. Se for menos tempo, melhor buscar um isento de Imposto de Renda (IR). Por mais, pode esperar o prazo para uma alíquota menor.
Considere opções indexadas ao CDI – taxa que costuma ficar 0,1 ou 0,2 ponto percentual abaixo da Selic. Aceite as que rendem, no mínimo, 100% do CDI. Quanto mais longo o prazo mínimo, maior o retorno.
Para reserva de emergência ou sacar em curso prazo, vá em investimentos com liquidez diária, ou seja, que rendem dia a dia, sem risco de grande prejuízo no caso de um saque não previsto.
– Todos os bancos têm CDB com liquidez diária a 100% do CDI. Tem também LCA ou LCI, que pagam menos, mas são isentas de IR – afirma o analista de renda fixa da AMW, gestora de investimentos da Warren, Lucas Pereira.
Ele cita ainda o Tesouro Selic e os fundos de renda fixa simples, compostos por diferentes opções de CDBs, LCAs e LCIs, por exemplo. São menos arriscados do que fundos com crédito privado – que compram dívida de empresas e, portanto, têm maior risco.
Tem a poupança, a queridinha dos brasileiros. A popularidade, porém, não se reflete em rentabilidade, perto de 7% ao ano, bem abaixo da Selic. Não à toa, nem é chamada de investimento.
Projetos de médio prazo
Se você é o orgulho dos planejadores financeiros e já tem reserva de emergência, pode pensar no médio prazo, vislumbrando uma troca de carro ou uma viagem especial, por exemplo. Para isso, outras opções são mais indicadas, afinal não precisará de liquidez diária.
Há CDBs, LCIs e LCAs com vencimentos mais longos e melhor remuneração. Aqui, é hora de avaliar outro ponto: taxa pós-fixada ou prefixada? A primeira é mais indicada numa perspectiva de alta do juro, enquanto a segunda é para um cenário de queda – que, diga-se, é mais difícil de prever, portanto seja parcimonioso.
Outra indicação são os títulos do Tesouro Direto IPCA+, que pagam a inflação – garantem o poder de compra do dinheiro – mais uma taxa de juro – que anda ótima, acima de 6% em todas as opções. É um “empréstimo” ao governo federal, portanto, seguro. Mas atenção: o valor deve ficar aplicado até o vencimento para garantir esta rentabilidade. Se resgatar antes, venderá pelo que o mercado está pagando, o que pode dar prejuízo.
Já se o plano é proteger seus reais em relação ao dólar, há os fundos cambiais. Neste caso, o foco não é necessariamente rendimento. A ideia é essa: se você precisa de US$ 20 mil para uma viagem à Disney daqui a dois anos e coloca o equivalente em reais nesta aplicação, ela garantirá este montante no final do prazo.
– Só não recomendo esse investimento para especulação, apostando em uma alta do dólar, porque o mercado de câmbio é muito volátil – adverte o sócio da Quantitas Asset e gestor de fundos multimercado, Rogério Braga.
Previdência
Aos que miram 10 anos ou mais, a opção mais conhecida, talvez, é a previdência privada. A orientação básica é não resgatar o dinheiro antes do prazo.
– Há uma gama ampla deste produto. O cliente deve avaliar quem é o gestor, quais taxas cobradas, o histórico de rentabilidade e a tabela de progressão. É bom buscar um profissional – aponta Braga.
Mas não precisa ser propriamente em um plano de previdência privada. Ou só ele. A planejadora financeira Nayra Sombra volta a lembrar dos títulos IPCA+ e levanta a possibilidade de correr um pouco de risco se estiver confortável:
– Pode começar em um fundo multimercado (mistura renda fixa e variável), com um gestor que escolhe os papéis e acompanha o mercado. Depois, montar uma carteira de ações.
No caso das ações, comece por empresas sólidas, boas pagadoras de dividendos (lucro dos acionistas). Exemplos: bancos, empresas de energia elétrica e de infraestrutura, que estejam há tempo na bolsa de valores e têm risco menor.
Um futuro planejado
Aos 45 anos, o cirurgião-dentista Renato Schroder planeja desacelerar a rotina atribulada. Não agora. Ele não deixará o consultório que mantém em Porto Alegre. É um projeto de longo prazo. Para isso, trata seus investimentos como parte de um futuro planejado.
– Sou um conservador moderado, um profissional liberal que pensa em uma complementação previdenciária. Descobri estudando e, claro, cometendo alguns equívocos – conta, lembrando que mergulhou no universo dos investimentos há 14 anos e já errou antes de acertar.
O estudo ajudou Schroder a organizar investimentos, separar as finanças dele das do consultório, trabalhar em reservas de emergência para ambos e descobrir os riscos que gostaria de tomar.
– Aprendi, por exemplo, que investir na bolsa não é um cassino, basta ter cuidado. Faço essa complementação previdenciária também em ações. Em vez de comprar plano de previdência no Banrisul e no Banco do Brasil, tenho ações de ambos – diz.
O projeto de futuro de Schroder é para ele e a filha, de 11 anos.
– Tento oferecer educação financeira e montei uma carteira de investimentos com ações para ela gerir quando completar 18 anos. O engraçado é que, às vezes, a dela vai melhor do que a minha – diverte-se.
Glossário dos investimentos
- Renda fixa: Investimentos com taxa de juros preestabelecida, prefixada ou pós-fixada.
- Renda variável: Ativos sem taxa de juros preestabelecida, como as ações.
- Selic: É a taxa básica de juros da economia brasileira, atualmente em 10,75%.
- CDI: É o Certificado de Depósito Interbancário, um título emitido entre bancos, com taxa ligada à Selic.
- CDB: Investimento de renda fixa que funciona como um empréstimo do seu dinheiro ao banco.
- LCA: Título de dívida emitido por instituição financeira e lastreado em créditos do agronegócio.
- LCI: Título de dívida emitido por instituição financeira e lastreado em créditos imobiliários.
- Tesouro Direto: Programa do governo que oferece títulos de dívida pública como o Tesouro Selic, Tesouro IPCA+ e Tesouro Prefixado.
- Liquidez: Capacidade de um ativo ser rapidamente convertido em dinheiro.
- Fundo de investimento: Uma estrutura de investimento coletivo que pode envolver vários produtos ao mesmo tempo.
Fontes: B3 e Banco Central
Fique de olho
- Os melhores investimentos de renda fixa oferecem rendimento mensal próximo de 1%.
- Desconfie de propostas maiores que se dizem sem risco.
- Se tiver dúvidas, busque sites confiáveis, como o do Banco Central, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e da Bolsa de Valores (B3).
- Evite aprender com quem, na verdade, quer lhe vender algo.
- Se for buscar um profissional, pesquise sobre ele. Prefira alguém indicado por uma pessoa de confiança.
- Não se baseie apenas nas redes sociais.
Fontes: planejadora financeira certificada pela Associação Brasileira de Planejamento Financeiro (Planejar) Nayra Sombra e Rogério Braga, sócio da Quantitas Asset e gestor de fundos multimercado.