Adriano Eneas está sozinho, desempregado e triste. A enchente que atingiu os municípios do Vale do Taquari em 4 de setembro deformou completamente o chalé de madeira onde morava e invadiu o hospital onde o pai, Lucas, de 91 anos, estava internado em Roca Sales. Enquanto ele corria para tentar salvar os móveis, o pai era removido de bote pelos bombeiros.
Adriano ainda conseguiu levar alguns pertences para uma palafita que construíra ao lado de casa após a enxurrada anterior, mas a água subiu os 20 degraus e alcançou o topo da edificação, destruindo tudo o que ele tinha.
Diabético e hipertenso, Lucas foi levado para o município de Encantado, onde permaneceu internado por uma semana. Adriano levou três dias para descobrir o paradeiro do pai. Quando Lucas recebeu alta, não havia para onde ir.
— Eu não tinha onde morar, nem uma cama hospitalar para acomodar o pai, já que ele não caminhava mais. Pedi na prefeitura e disseram que não tinha. Fui no lar de idosos e me cobraram R$ 3,3 mil por mês, fora os remédios — conta Adriano.
Sem alternativa, ele deixou o pai no asilo, enquanto tentava alugar algum imóvel. Acabou locando cinco peças de um sobrado antigo no alto da cidade, ao tempo em que conseguiu um leito hospitalar com a prefeitura de Dois Lajeados. Enquanto ajeitava a casa nova, foi avisado que o pai tinha morrido, fulminado por uma parada cardíaca.
Após a morte da mãe, em março, Adriano pediu demissão do supermercado onde atuava como repositor. Desde então, sua vida era cuidar do pai doente. Antes da despedida derradeira, ele ainda limpou o salão e o banheiro da capela mortuária de Roca Sales, enlameada e sem luz, três semanas após a enchente.
Aos 46 anos, solteiro e sem filhos, ele agora quer voltar a trabalhar. Semana passada, foi convidado a retornar para a indústria de calçados onde cortou couro por 21 anos.
— Estou levando a vida. Fazer o quê? Perdi o pai, perdi todas as coisas. Para mim foram duas catástrofes, veio a enchente e depois foi o pai. Tenho de batalhar agora, me erguer, começar a trabalhar. Se a gente abaixa a cabeça é pior, se desespera — resigna-se Adriano.
Quatro recomeços
Um mês depois da tragédia, GZH conta a história de quatro famílias que perderam quase tudo na fatídica noite de 4 de setembro de 2023. Além de Adriano, saiba como outros moradores do Vale do Taquari buscam recomeçar:
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- A esperança do motorista de app que perdeu o ganha-pão e torce por dias melhores em Muçum
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