O Vale do Taquari foi afetado de forma mais devastadora pelas enchentes que atingem o Rio Grande do Sul nesta semana. O rio que dá nome à região atingiu a segunda maior marca de que se tem registro: 29m45cm no município de Estrela. Em 1941, esta medida chegou a 29m92cm. A cheia atual – que devastou cidades e causou, pelos números oficiais até a noite desta quarta-feira (6), 37 mortes, sendo 33 na região – se destaca, no entanto, pela velocidade de elevação da água.
O gerente de hidrologia e gestão territorial do Serviço Geológico do Brasil (CPRM) – antigamente conhecido como Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais, por isso a sigla –, Franco Buffon, analisa dados para tentar explicar os fatores que possibilitaram a atual tragédia. O Rio Taquari é conectado ao Rio das Antas e recebe água de diversos afluentes vindos das regiões mais altas, do Norte e da Serra. Todas estas áreas receberam chuva forte desde segunda-feira (4), com precipitação intensa e simultânea nas nascentes e bifurcações dos cursos d'água.
Além disso, a região serrana do RS tem uma característica de formação de solo e relevo que contribui para que chuva em excesso se transforme em inundação com potencial destrutivo. Com a predominância de pedras no subsolo, a capacidade de absorção da água pela terra é limitada. Assim, mais volume chega aos rios, que enchem mais rapidamente do que escoam e transbordam, saindo do leito e atingindo o que estiver próximo às margens. Foi o que aconteceu em Muçum, Roca Sales, entre outros municípios gaúchos neste início de semana.
— A região é um vale, significa que fica no meio de morros e declividades muito altas. Isso aumenta a velocidade da água que desce dos rios. Estimamos, com dados iniciais dos estragos dos últimos dias, que os rios chegaram a descer 20 mil metros cúbicos de água por segundo. Essa potência é mais ou menos a que vemos em alguns afluentes do Rio Amazonas, que são gigantes — compara o engenheiro.
Como cada metro cúbico de água corresponde a mil litros, a força da água citada pelo especialista corresponde a 20 milhões de litros por segundo.
Segundo Buffon, a força e o volume da água foram tantos que chegaram a danificar os equipamentos do CPRM que monitoram o comportamento do rio.
— Caso a chuva tivesse sido de menor volume, que não caísse toda ao mesmo tempo nos mesmos lugares, o fluxo seria mais calmo e uma enchente teria acontecido, que é o rio subir devagar, sem sair tanto dos seus espaços naturais. A velocidade da inundação para além das áreas próximas da margem é o que surpreende e destrói — diferencia.
O sistema de monitoramento trabalha para desenvolver modelos que permitam antever as cheias em determinados pontos. Alguns cálculos já permitem estabelecer um prazo de horas para que enchentes ocorram em áreas mais baixas, a partir de certas quantidades de chuva em determinados locais monitorados. Quando chove muito na Serra ou no norte do Estado, a água se soma aos rios e ganha velocidade à medida que perde altura em direção aos vales, assinala o engenheiro hidrólogo.
Esta e outras análises geográficas são entregues a gestores municipais das cidades onde há risco recorrente de inundação, para que os prefeitos e a Defesa Civil de cada localidade elaborem seus planos de contingência e tentem diminuir a quantidade de pessoas em áreas de risco.
Volume extraordinário de chuvas deve seguir
Em entrevista à Rádio Gaúcha nesta quarta (6), o diretor de meteorologia do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), Marcelo Schneider, projetou a volta da chuva, inclusive no Vale do Taquari, a partir da tarde de quinta.
— No Vale do Taquari ainda temos sol, mas depois da tarde de quinta volta a chover, em torno de 50 milímetros, menos do que tivemos nos últimos dias. As águas no Rio Taquari começaram a baixar, mas ainda teremos cheias nos rios do baixo Jacuí e Região Metropolitana — projeta Schneider, que reforça que o Inmet já alertava para a chance de inundações que estamos vivendo:
— Desde março alertamos que a primavera traria muita chuva com o El Niño. Recebemos sinalizações das autoridades, mas precisamos estar muito atentos para os próximos meses, pois essas chuvas seguirão.
Ouça a entrevista com o diretor do Inmet no Gaúcha Atualidade