Dia e noite, Janete Zílio é atormentada por uma dúvida inquietante: onde construir a casa nova, depois que a cheia do Rio Taquari devastou os 14 hectares de seu sítio no interior de Muçum, em 4 de setembro. Sobrevivente improvável, Janete foi resgatada na entrada da cidade, após ser arrastada 18 quilômetros correnteza abaixo sobre um telhado de zinco que não largou momento algum, mesmo submetida a sucessivos mergulhos na água com gosto de óleo diesel. A tragédia que completa um mês nesta quarta-feira (4) deixou 50 mortos no RS.
Dos quatro familiares que estavam com ela quando a enxurrada chegou, apenas um sobreviveu. Um mês após a tragédia, o corpo do sogro segue desaparecido. Caminhando sobre os destroços do que um dia foi sua próspera propriedade, ela procura entender como está viva.
Do patrimônio amealhado em 35 anos de casamento, restaram só memórias. Janete perdeu as lavouras, as vacas e os parreirais, além de roupas, móveis, documentos, dois caminhões e um trator, tudo arrastado pelo rio que deixou apenas os alicerces das três casas do terreno. No corpo, ficaram as cicatrizes. Na mente, a angústia de decidir onde, afinal, estará a salvo caso o rio mais uma vez despeje sua fúria sobre Muçum.
— Nem sei como explicar. Tudo que a gente tinha agora é só essas paredes quebradas. Que tristeza. Eu gosto de morar aqui, é perto da igreja, do salão, do cemitério. Tem uma área aqui perto, mas é do lado de um arroio e quando chove muito não dá para passar — diz Janete, orientada por três psicólogas a evitar qualquer aproximação de água corrente.
Abrigada na casa de um irmão, ela tenta recomeçar a vida aos 57 anos. O material para a casa nova será pago com R$ 75 mil intermediados pelo sindicato rural, mas Janete terá de arcar com a mão de obra. A construção deve começar em três meses e por enquanto ela tem somente R$ 30 mil, recebidos em doação.
Pensativa, Janete passa os dias ajudando o irmão no trato das vacas e na limpeza da casa. Do alpendre, ausculta o Taquari escondido pelo mato.
— Imaginar que essa água veio até aqui. Agora passa um dia, dois, chovendo, e eu já fico bem assim. Mas a casinha vamos fazer, provavelmente no mesmo lugar. Se não der mais certo aqui, a gente pega as malas e vai embora — conforma-se.
Muçum, 30 dias depois da tragédia
Quatro recomeços
Um mês depois da tragédia, GZH conta a história de quatro famílias que perderam quase tudo na fatídica noite de 4 de setembro de 2023. Além de Janete, saiba como outros moradores do Vale do Taquari buscam recomeçar: