Antônio Correa era o motorista mais requisitado de Muçum. Fosse guiando táxi ou carro de aplicativo, rodava das 7h às 22h, sempre cobrando um preço camarada dos clientes. Desde 4 de setembro, ele conduz só a própria esperança de que dias melhores hão de surgir. Naquela madrugada, a cheia do Rio Taquari, que completa um mês nesta quarta-feira (4), deixou pelo menos 50 mortos no RS e incontáveis estragos.
Correa estava no grupo de 34 pessoas que, acossado pela correnteza do Rio Taquari, arrombou a porta do sobrado mais alto da rua onde mora. Pouco antes, a água havia invadido sua casa e alcançado os dois veículos da família, estacionados no cume da via.
Sem saber para onde correr, ele invadiu o casarão e, acolhido pelos proprietários, lá permaneceu por três semanas com a mulher e as duas filhas — Vitória, de 12 anos, e Valentina, de sete. Agora, mora de favor na casa da sogra dos patrões da esposa.
— Vistoriaram minha casa e colocaram tarja amarela, pois fica na beira do rio e ali agora é zona de risco. As meninas querem que eu venda, mas quem vai comprar? — questiona Correa.
Revezando os passageiros com a mulher — ele no táxi e ela no aplicativo —, o casal levava pacientes para consultas médicas em Porto Alegre e fazia corridas entre os municípios da região. Por mês, os veículos geravam renda média na casa dos R$ 6 mil. Agora, resta apenas o salário mínimo recebido pela esposa no trabalho de doméstica.
Muçum, 30 dias depois da tragédia
Um dos carros, o Cronos 2019, consumiu R$ 1,5 mil somente na limpeza e na recuperação das peças, pagas com doação que recebeu do comediante Badin. O outro, um Cobalt 2016, segue estacionado na garagem de um vizinho, com marcas de lama nos estofamentos e no capô pinicado pela chuva de granizo que caíra 10 dias antes da enchente.
Correa nunca mais ouviu o ronco dos motores com os quais sustenta a família. Chegou a cogitar alugar um carro, mas desistiu diante do custo elevado, em torno de R$ 140 por dia. Aos 43 anos, perdeu tudo, menos a motivação para retomar o trabalho.
— Toda hora o pessoal está me ligando: "Quando vocês vão voltar, quando vão voltar?". E nós de mãos atadas. Está difícil, mas eu sei que vou voltar. Tenho de voltar. Minhas duas pequenas dependem de mim e tudo que faço é para elas — afirma.
Quatro recomeços
Um mês depois da tragédia, GZH conta a história de quatro famílias que perderam quase tudo na fatídica noite de 4 de setembro de 2023. Além de Antônio, saiba como outros moradores do Vale do Taquari buscam recomeçar:
- A angústia da mulher que foi arrastada pela correnteza por 18 quilômetros e agora busca novo lar em Muçum
- A solidão do morador de Roca Sales que perdeu a casa e o pai e tenta se reerguer após a enchente
- O otimismo do casal que abriu restaurante dias antes da enchente e recomeça servindo almoços em Roca Sales