A população gaúcha ainda sente os efeitos da enchente que atingiu o Rio Grande do Sul sete meses depois do desastre climático. Os estragos não ficaram só nos entulhos, que precisam ser recolhidos, ou nas paredes, que precisam de uma nova pintura. Há uma nova realidade que não era conhecida por muitos antes da tragédia: a fome.
A pobreza subiu 15,4% desde maio no RS, de acordo com dados do governo do Estado. Quem já era pobre ficou mais ainda: o número de famílias de baixa renda cresceu 4,1%, agravando a insegurança alimentar nos lares gaúchos. Até o final de 2023, quase 20% dos domicílios enfrentavam algum grau, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A falta de comida tem relação com a pobreza: com menos renda, comprar comida ficou mais difícil.
Insegurança alimentar no RS
- Atinge 18,7% dos lares gaúchos
- 13% leve
- 3,5% moderada
- 2,2% grave
Fonte: IBGE
Solidariedade
A dificuldade enfrentada pelos gaúchos causa angústia e preocupação, sentimentos que só ficam de lado quando outro ocupa todo o espaço: solidariedade. Exemplo disso é o de Erondina Ribeiro Fragoso, passadeira aposentada que reside na zona norte de Porto Alegre. Hoje, divide a casa, que ficou debaixo d’água, com uma filha, dois netos e dois bisnetos.
— Depois que baixou as águas, eu vim, botei um forro aqui no chão e comecei a dormir aqui mesmo até limpar a casa, até começar a ganhar umas coisas — conta.
Após limpar a casa, alimentar os netos, bisnetos e a filha também virou uma preocupação. Cada vez que uma nova doação chega, ela consegue deixar o sentimento de lado e colocar um sorriso no rosto.
"Como tu tem a doação da comida, pode investir em outra coisa"
Também na Zona Norte, vive Clair Mack Germann. Depois da aposentadoria como costureira, ela mantinha um ateliê em casa. Era para se entreter, como ela brinca, mas também servia para ter uma renda extra. Só que a enchente levou tudo: tecidos, linhas, agulhas e máquinas de costura. Foram 40 dias fora de casa.
A ajuda que vem de doações de alimentos permite que ela siga refazendo o lar, passo a passo.
— Como tu tem a doação da comida, pode investir em outra coisa, porque é uma segurança — diz.
A prioridade é outra: se alimentar
O sustento da família de André Cabeleira da Silva vinha de um galpão de reciclagem em um terreno de onde a enchente levou tudo. Era esse dinheiro que colocava comida na mesa.
— Eu tive que desmanchar tudo, deixei, amontoei tudo aqui — lembra.
A família tenta se manter na casa, que foi danificada e ainda tem as marcas da enchente. A cozinha foi levada pela água e, agora, a louça é lavada de forma improvisada na rua. Mas a prioridade é outra: se alimentar. Sem conseguir trabalhar, André, Ana e os três filhos dependem de doações. Tudo é bem-vindo, desde os itens mais simples.
— O que mais que a gente gasta aqui é arroz e feijão, mistura — diz.
As doações
Para Rudimar Dal'Astra, conhecido por arrecadar e distribuir doações na Região das Ilhas, uma das mais atingidas em Porto Alegre, nesse período de Natal é ainda mais necessário pensar em ajudar o próximo.
— Quando as pessoas se sentirem tocadas, sensibilizadas, olhando a sua mesa farta, e olhando que em outras mesas está faltando o básico do dia a dia, que tenham esse gesto de caridade, ajudar quem está precisando, ajudar o mais necessitado.
E para quem vê essa ajuda virando comida na mesa, o sentimento é de gratidão.
— Faz muita diferença — diz dona Erondina.