O produtor rural Carlos Henrique Maier, 28 anos, ganha a vida com muito suor em uma propriedade de cerca de 50 hectares na localidade de Atafona, onde planta milho e soja com o auxílio dos familiares. E confessa jamais ter presenciado o clima castigar com tanta impetuosidade as lavouras da região de Santo Ângelo, nas Missões do RS.
— Nunca tinha visto algo semelhante como esses dois anos consecutivos de estiagem que estamos passando — afirma, dizendo ainda que os anos de 2005 e 2009 também foram temporadas difíceis.
Ao lado da esposa Suéli, 24, e da filha Eloá Beatriz, três, tem uma vida tranquila entre plantações, árvores e animais. Mas a estiagem tem sido dura, cobrando um preço alto do pequeno produtor.
— A tristeza é grande, mas não posso desistir — diz, sentado em um banco com o olhar de quem não entrega os pontos facilmente.
A falta de chuva atormenta o produtor:
— Conseguimos plantar a soja no dia 15 de novembro. Depois ganhamos chuva no começo de dezembro e lá por 26 do mesmo mês, quando tivemos 20 milímetros. Em 6 de janeiro, deu 18 milímetros. Nos últimos meses, choveu muito pouco.
Na localidade de Atafona, há poço artesiano e não chegou a faltar água. Mas há relatos de escassez em outras áreas do interior do município. Questionado se não pensa em desistir, largar tudo e se aventurar por outro ganha-pão, Maier analisa sua realidade com franqueza.
— A gente brinca que é muito teimoso, porque em qualquer outra profissão largaria o emprego. É muito decepcionante — revela, acrescentando: — Temos consciência de que existem anos bons e outros ruins. Só que o risco é muito grande, porque trabalhamos com o clima.
Conforme a Emater/RS-Ascar de Santa Rosa, a soja está em etapa de floração, formação de vagens e desenvolvimento vegetativo nas lavouras de Santo Ângelo. No município, que fica a aproximadamente 459 quilômetros de distância de Porto Alegre, foram cultivados 36,3 mil hectares do grão. Entretanto, a falta de chuva dos últimos dois meses, acarretou em danos de estatura, o que já reduz a estimativa do potencial produtivo.
— A colheita foi muito caótica. Plantamos no começo de agosto, entrou em florada em novembro e foi ganhar chuva no final de dezembro. Tivemos perda total no milho, aproveitamos para fazer silagem para o gado — conta Maier.
Para ele, as perdas serão de 80% na soja e total no milho. Ainda possui parreira e árvores frutíferas, como pessegueiros e uma laranjeira, mas são para consumo próprio.
— Não podemos perder a esperança. É tudo o que nos resta — reflete.
Situação semelhante vive Pedro Osmar Ribeiro, 66 anos. Nesta quarta-feira (15), ele estava com uma enxada nas mãos em meio aos seus milharais em Barra do São João. Em uma propriedade de 10 hectares, planta milho, um pouco de soja e pasto.
Com chapéu de palha na cabeça e camisa azul, ele labutava debaixo de sol intenso nesta manhã. E, apesar de tudo, sorria como se soubesse que amanhã é um novo dia.
— A gente não pode desanimar. Precisamos pensar no próximo ano. Ter saúde é o principal — ensina, com a sabedoria de quem vive nessa roleta de incertezas desde os primeiros anos de vida.
Perdas econômicas superam a marca de R$ 143 milhões
Perdas no milho parecem se multiplicar pelas variadas regiões do território gaúcho. As lavouras dessa cultura de agosto já foram colhidas e sofreram com a estiagem. Segundo explica a Emater, a falta de precipitações nas semanas que coincidiram com o florescimento e início de formação de grãos afetou negativamente as plantações.
Nas lavouras de sequeiro, as perdas ultrapassam os 65%, enquanto as irrigadas exibem 10% de baixas. A média das perdas na cultura do milho em Santo Ângelo está na faixa de 45,3%.
A redução média da produtividade em soja no município está em 35% até agora. Nas próximas semanas, a situação tende a se agravar em função da falta de precipitações. Para onde se olha não há esperança de horizontes verdejantes e tempos de bonança. As perdas já são contabilizadas como irreversíveis.
Na região das Missões, o clima tem sido implacável. Nada brota, pouco resiste e tudo definha. O coordenador de Programas e Projetos da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Rural de Santo Ângelo, Diomar Formenton, dá números que retratam a difícil e extrema situação do município.
— Na principal cultura, que é a soja, temos de 35% a 40% de perda confirmada. Isso dá em torno de R$ 120 milhões a menos para o município — compartilha.
E logo acrescenta o que já se sabe: há perdas robustas na cultura do milho.
— No milho, a perda foi de 80%, o que representa R$ 21 milhões a menos para o município.
Tudo gira em torno de cálculos, quase todos negativos:
— Devido à extensão da área da soja (35,6 mil hectares), o prejuízo será maior nesta cultura. O plantio de milho é menor (acontece em 2,7 mil de hectares).
Um laudo da prefeitura de Santo Ângelo mostra perdas de 70% no milho em grãos, o que equivale a um prejuízo de R$ 20,5 milhões. Na soja, a perda estimada é de 35%, o que representa prejuízo superior a R$ 113,9 milhões.
Por sua vez, a produção de leite terá baixa de 50%, com prejuízo superior a R$ 6,3 milhões. O que contribuiu para o cenário, segundo a Emater, é que houve redução do volume produzido e aumento substancial dos custos de produção. O motivo é que os fornecimentos de ração e silagem aos animais precisaram ser ampliados.
Em relação à bovinocultura de corte, a derrocada foi total: 100% de perda. Até 27 de janeiro, por exemplo, estima-se que mais de 257 mil quilos deixaram de se somar ao peso do rebanho, o que representa prejuízo acima de R$ 2,3 milhões.
Somadas, as perdas econômicas das quatro importantes atividades agropecuárias do município superam a marca de R$ 143 milhões.
Os dados, elaborados em conjunto por órgãos como Secretaria de Desenvolvimento Rural, Comissão Municipal de Estatísticas Agropecuárias (Comea) de Santo Ângelo e Emater, mostram um panorama tenebroso.
Água
Com tantas perdas nas lavouras, as atenções se voltam para a possibilidade de falta de água. Santo Ângelo é bem guarnecida por rios, como o Itaquarinchim e o Ijuí. Até agora, ao contrário de outros municípios sem a mesma sorte, a sede pôde ser saciada.
— Nossa preocupação é em relação à água no meio rural. No ano passado, abrimos 300 bebedouros. Os agricultores estão utilizando água dos postos artesianos das comunidades para o gado, o que é preocupante. Podem começar a secar os poços e faltar água a médio e longo prazo — teme Diomar Formenton, com a sabedoria de quem conhece os diversos efeitos da estiagem.
Em alguns locais, os açudes secaram. Apesar do receio, a região não enfrenta racionamento de água. Também não foi necessário abastecer os moradores do interior com caminhões-pipas. Um breve consolo em meio a uma extensa galeria de perdas. No dia 2 de fevereiro, Santo Ângelo assinou o decreto de situação de emergência em função da estiagem.