A juíza Karina da Silva Cordeiro, da 7ª Vara Federal de Porto Alegre, determinou a abertura do Processo de Execução Penal para o ex-servidor da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) Ricardo Sarres Pessoa. A decisão foi proferida em razão do trânsito em julgado da ação penal resultante da Operação Concutare, deflagrada pela Polícia Federal (PF) em 2013, que apurou esquema de fraude na liberação de licenças ambientais no Rio Grande do Sul. Com isso, Ricardo Sarres Pessoa será o primeiro condenado a partir desta operação a começar a cumprir pena de prisão.
Nove anos depois da ofensiva da polícia, ele cumprirá pena de quatro anos, cinco meses e dez dias de prisão, em regime inicial semiaberto, pelo crime de corrupção passiva. Em março de 2022, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) manteve a condenação de Sarres Pessoa, mas reduziu a pena, que em primeira instância tinha sido de sete anos.
Os desembargadores da 8ª Turma, por unanimidade, entenderam que o réu recebeu propina para beneficiar indevidamente empresas que buscavam licenças de atividades ambientais.
A Operação Concutare investigou esquema criminoso envolvendo diversas fraudes na liberação de licenças ambientais pela Fepam. A PF identificou empresários e consultores ambientais que atuaram na corrupção de servidores públicos em troca de benefícios como “venda” de licenças e aceleração do trâmite de procedimentos administrativos.
Ricardo Sarres Pessoa chefiou o Serviço de Licenciamento de Empreendimentos de Mineração de outubro de 2011 a outubro de 2012 e, nesse período, teria recebido vantagens indevidas por intermédio de despachantes e consultores ambientais.
Em junho de 2020, o juiz da 7ª Vara Federal de Porto Alegre condenou o ex-servidor, pelos crimes de corrupção passiva e de lavagem de dinheiro, a uma pena de sete anos, cinco meses e dez dias de prisão, em regime inicial semiaberto.
Tanto o réu quanto o Ministério Público Federal (MPF), autor da ação, recorreram ao TRF4. No recurso, os advogados de Pessoa afirmaram não haver provas de que ele recebeu vantagem indevida ou que tenha exercido ato de ofício em razão de alguma ilicitude. Ainda sustentaram que o ex-servidor não teve o dolo de ocultar ou dissimular o patrimônio dele, pois este seria totalmente lícito.
Já o MPF requisitou que a pena fosse aumentada, com o afastamento da atenuante da confissão do réu que foi concedida pelo juízo de primeiro grau. Segundo a Procuradoria da República, o ex-servidor negou a intenção de aceitar ou receber vantagens indevidas em seu interrogatório.
A 8ª Turma, por unanimidade, negou provimento à apelação do MPF e deu parcial provimento ao recurso de Pessoa para absolvê-lo do delito de lavagem de dinheiro, bem como reduzir a pena.
Assim, o colegiado determinou a pena de quatro anos, cinco meses e dez dias de reclusão, em regime inicial semiaberto, pelo crime de corrupção passiva.
Sobre a corrupção passiva, o relator do caso, desembargador João Pedro Gebran Neto, destacou que os elementos probatórios juntados aos autos demonstram, “além de qualquer dúvida razoável, que Pessoa solicitou vantagem indevida para movimentar o processo de liberação da atividade da empresa Pollnow & Cia Ltda., sendo que, ao final da liberação, recebeu a vantagem indevida, em espécie, em sua própria residência”.
Sobre a absolvição em relação à lavagem de dinheiro, Gebran apontou que “no caso dos autos, a conduta do réu resumiu-se à simples guarda do produto do crime de corrupção passiva. E isto, embora seja conduta evidentemente reprovável, não se amolda ao tipo penal de lavagem de dinheiro”.
Ao negar o recurso do MPF, o desembargador reiterou que Pessoa confessou, tanto em interrogatório quanto em depoimento ao juízo, o recebimento de valores em dinheiro em sua residência, por intermédio de consultor ambiental, por serviços prestados no interesse de empresários da Pollnow & Cia Ltda.
“Sendo assim, mantenho a incidência da atenuante da confissão no cálculo da pena”, concluiu o relator.
O que diz a defesa de Ricardo Sarres Pessoa
O advogado Gustavo Saar Gemignani enviou a seguinte nota para GZH:
"Após ter sido devidamente absolvido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região em relação à imputação de lavagem de dinheiro, Ricardo Sarres Pessoa optou por não recorrer aos Tribunais Superiores, razão da determinação de distribuição de processo de execução penal para cumprimento da pena relativa à condenação remanescente por corrupção passiva. Trata-se do andamento natural da persecução penal após o trânsito em julgado, tendo Ricardo Sarres Pessoa optado por aceitar a deliberação da sentença, motivo pelo qual logo passará a cumprir a pena de 4 (quatro) anos, 5 (cinco) meses e 10 (dez) dias de reclusão em regime semiaberto. Vale referir que Ricardo Sarres Pessoa foi denunciado pela suposta prática de quatro crimes de corrupção passiva, tendo sido absolvido em relação a três destas imputações. Outrossim, foi denunciado pela suposta prática de quatro ilícitos de lavagem de dinheiro, tendo sido absolvido, ao final, de todas as quatro imputações. Ademais, houve interposição de recurso de apelação pelo Ministério Público Federal, que foi negado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região".
Linha do tempo
A Operação Concutare foi deflagrada pela PF em 29 de abril de 2013 com o objetivo de combater supostos crimes praticados na liberação de licenças ambientais no Rio Grande do Sul. Em 29 de agosto de 2013, foram indiciadas 56 pessoas (49 físicas e sete jurídicas). Conforme o relatório final, havia indícios de crimes ambientais, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, falsidade ideológica, entre outros.
Entre os indiciados na época estavam 13 servidores públicos, 18 empresários, nove consultores ambientais e nove pessoas que teriam participado do suposto esquema. Dezoito pessoas chegaram a ser presas quando a operação foi deflagrada, entre elas, os ex-secretários estaduais do Meio Ambiente, Berfran Rosado e Carlos Fernando Niedersberg, e o ex-secretário do Meio Ambiente de Porto Alegre Luiz Fernando Záchia, soltos pouco depois por decisões judiciais.
Do inquérito policial, três denúncias foram apresentadas pelo MPF. Na ação referente ao chamado “Núcleo Fepam”, a juíza Karine da Silva Cordeiro, da 7ª Vara Federal de Porto Alegre, condenou em julho de 2020 quatro dos nove réus por crimes como corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e extração de minério (basalto) sem licença ambiental. Crimes ambientais atribuídos aos acusados prescreveram devido à demora na tramitação do caso. As penas variaram de um a sete anos de prisão. Houve recursos ao TRF4. Entre eles, esse de Ricardo Sarres Pessoa, que teve a pena de prisão mantida. Foi reconhecida a prescrição dos crimes para os outros três condenados.
Na ação referente ao chamado “Núcleo DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral)”, foram condenados no início de 2021, pela mesma magistrada, 15 dos 24 réus, por crimes como corrução ativa, corrupção passiva e associação criminosa, com penas que variavam de um a 10 anos de prisão. Dessas duas decisões, houve recursos ao TRF4.
Em relação ao chamado “Núcleo Fepam-Biosenso” ou “Núcleo Político”, o MPF levou seis anos para apresentar denúncia sobre suposto esquema de propina relacionado à liberação de licenças ambientais pela fundação. Foram denunciados, na oportunidade, o ex-deputado e ex-secretário estadual do Meio Ambiente Berfran Rosado, o ex-secretário estadual do Meio Ambiente Carlos Fernando Niedersberg e o ex-servidor público da Fepam Mattos'Além Roxo. O ex-secretário do Meio Ambiente de Porto Alegre Luiz Fernando Záchia nunca foi denunciado.
A acusação apresentada em novembro de 2019 foi protocolada 23 dias após a Justiça Federal ter arquivado o inquérito policial do caso envolvendo esses investigados, a pedido do advogado Luciano Feldens, que defende Berfran, pelo que classificou como "inércia" da PGR.
Em 12 de dezembro de 2019, o juiz Guilherme Beltrami, da 7ª Vara Federal de Porto Alegre, recebeu a denúncia. Em 11 de março de 2020, o TRF4 decidiu que a ação penal ficaria trancada, ao julgar habeas corpus movido pela defesa de Berfran.
O MPF recorreu dessa decisão ao STJ. Em 15 de fevereiro de 2022, a 6ª Turma rejeitou por unanimidade o recurso e manteve a ação penal trancada, encerrando a discussão. A ministra Laurita Vaz, relatora do caso, que foi seguida pelos colegas de Turma, sustentou que a PGR não poderia apresentar uma denúncia com base num inquérito policial já arquivado. Isso não impede, no entanto, que seja apresentada uma nova ação penal, desde que com outras provas.