O Superior Tribunal de Justiça (STJ) encerrou uma discussão judicial sobre a participação ou não de políticos em um suposto esquema de fraude na liberação de licenças ambientais no Rio Grande do Sul. Por unanimidade, a 6ª Turma da Corte rejeitou um recurso do Ministério Público Federal (MPF) contra decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) que trancou ação penal contra os ex-secretários estaduais do Meio Ambiente Berfran Rosado e Carlos Fernando Niedersberg e o ex-servidor público da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) Mattos'Além Roxo.
Quem obteve o trancamento da ação penal foi o advogado Luciano Feldens, que defende Berfran. O tribunal não encontrou justa causa para autorizar uma ação penal contra eles.
A ministra Laurita Vaz, relatora do caso, que foi seguida pelos colegas de Turma, sustentou que a Procuradoria-Geral da República (PGR) não poderia apresentar uma denúncia com base num inquérito policial já arquivado. Isso não impede, no entanto, que seja apresentada uma nova ação penal, desde que com outras provas, o que é pouco provável, conforme fontes do meio jurídico consultadas por GZH.
“Neste caso, a defesa teve de inverter a lógica. Tivemos de partir para o ataque e provar que não havia crime - que não havia justa causa para a denúncia do MPF. E isso acabou sendo reconhecido por três instâncias judiciais: juiz federal de primeiro grau, Tribunal Regional Federal e Superior Tribunal de Justiça”, sustentam os advogados Luciano Feldens e Débora Poeta em nota enviada a GZH.
Niedersberg comentou a decisão:
— Sinto em parte a injustiça corrigida, mas, para ser completa, gostaria de ver os responsáveis punidos.
Já a PGR informou que "não comenta decisões judiciais". "Eventual manifestação será dada nos autos", apontou.
A reportagem não conseguiu contato com Mattos'Além Roxo.
Linha do tempo
A Operação Concutare foi deflagrada pela Polícia Federal (PF) em 29 de abril de 2013 com o objetivo de combater supostos crimes praticados na liberação de licenças ambientais no Rio Grande do Sul. Em 29 de agosto de 2013, a PF indiciou 56 pessoas (49 físicas e sete jurídicas). Conforme o relatório final, havia indícios de crimes ambientais, corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, falsidade ideológica, entre outros.
Entre os indiciados na época estavam 13 servidores públicos, 18 empresários, nove consultores ambientais e nove pessoas que teriam participado do suposto esquema. Dezoito pessoas chegaram a ser presas quando a operação foi deflagrada, entre elas, os ex-secretários estaduais do Meio Ambiente Berfran Rosado e Carlos Fernando Niedersberg e o ex-secretário do Meio Ambiente de Porto Alegre Luiz Fernando Záchia, soltos pouco depois por decisões judiciais.
Do inquérito policial, três denúncias foram apresentadas pelo Ministério Público Federal (MPF). Na ação referente ao chamado “Núcleo Fepam”, a juíza Karine da Silva Cordeiro, da 7ª Vara Federal de Porto Alegre, condenou em julho de 2020 quatro dos nove réus por crimes como corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e extração de minério (basalto) sem licença ambiental. Crimes ambientais atribuídos aos acusados prescreveram devido à demora da tramitação do caso. As penas variaram de um a sete anos de prisão.
Na ação referente ao chamado “Núcleo DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral)”, foram condenados no início de 2021, pela mesma magistrada, 15 dos 24 réus, por crimes como corrução ativa, corrupção passiva e associação criminosa, com penas que variavam de um a 10 anos de prisão. Dessas duas decisões, houve recursos ao TRF4.
Em relação ao chamado “Núcleo Fepam-Biosenso” ou “Núcleo Político”, o MPF levou seis anos para apresentar denúncia sobre suposto esquema de propina relacionado à liberação de licenças ambientais pela fundação. Foram denunciados, na oportunidade, o ex-deputado e ex-secretário estadual do Meio Ambiente Berfran Rosado, o ex-secretário estadual do Meio Ambiente Carlos Fernando Niedersberg e o ex-servidor público da Fepam Mattos'Além Roxo. O ex-secretário do Meio Ambiente de Porto Alegre Luiz Fernando Záchia nunca foi denunciado.
A acusação apresentada em novembro de 2019 foi protocolada 23 dias após a Justiça Federal ter arquivado o inquérito policial do caso envolvendo esses investigados, a pedido do advogado Luciano Feldens, que defende Berfran, pelo que classificou como "inércia" da PGR.
Em 12 de dezembro de 2019, o juiz Guilherme Beltrami, da 7ª Vara Federal de Porto Alegre, recebeu a denúncia. Em 11 de março de 2020, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) decidiu que a ação penal ficaria trancada, ao julgar habeas corpus movido pela defesa de Berfran.
O MPF recorreu dessa decisão ao STJ. Em 15 de fevereiro de 2022, a 6ª Turma rejeitou por unanimidade o recurso e manteve a ação penal trancada, encerrando a discussão. A ministra Laurita Vaz, relatora do caso, que foi seguida pelos colegas de Turma, sustentou que a PGR não poderia apresentar uma denúncia com base num inquérito policial já arquivado. Isso não impede, no entanto, que seja apresentada uma nova ação penal, desde que com outras provas.