— Era um teatro tradicional, no formato italiano, todo em madeira por dentro, com a acústica perfeita. Era pequeno do ponto de vista de estrutura, mas compatível com a época. Um espaço belíssimo, que sempre lotava quando tinha apresentações, como da antiga orquestra de municipal de Caxias do Sul.
Essa é a lembrança que o maestro Evandro Matté, 55 anos, tem da infraestrutura do Cine Ópera, maior espaço cultural da história de Caxias do Sul. Nessa terça-feira (24) completa 30 anos que o local foi destruído em um incêndio. Até hoje paira a dúvida se as chamas que consumiram o Ópera surgiram acidentalmente ou se o incêndio foi criminoso.
Localizado na esquina das ruas Pinheiro Machado e Dr. Montaury, na área central da cidade, o teatro, e anos mais tarde cinema, foi palco para apresentações memoráveis da Serra, como a execução da Orquestra Sinfônica de Caxias do Sul (Osca) da ópera Cavalleria Rusticana, sobre a regência do maestro Pedro Paulo Mandelli.
— Eu tive a oportunidade de subir no palco do Ópera e apresentar essa ópera. Na época eu deveria ter uns 15 anos, tocava trompete. Lembro que foi maravilhoso. Infelizmente o espaço, com madeira trabalhada, com os mezaninos, já apresentava deterioração, estava mal cuidado — descreve Matté.
O coordenador do UCS Cultural, Moacir Lazzari, 62, também teve a oportunidade de assistir as apresentações e subir ao placo do Ópera antes do derradeiro incêndio.
— Na época de estudante de música, frequentava o Ópera, para assistir os ensaios e concerto da Osca. Eu estava quando eles fizeram a montagem da ópera Cavalleria Rusticana. O espaço tinha capacidade para mais de mil pessoas, lembrava um pouco a estrutura do Theatro São Pedro, em Porto Alegre — recorda Lazzari.
Anos depois, quando o espaço se tornou cinema, Lazzari, então integrante da Osca se apresentou como oboísta. Apesar do ambiente modificado para a exibição de filmes, o espaço recebia ensaios da Osca e concertos.
— Não tínhamos muito espaço de camarim, mas do palco para frente o Ópera continuava maravilhoso. Aquela arquitetura belíssima e a acústica maravilhosa faziam dali o espaço ideal para as orquestras — rememora.
Fim trágico antecedeu demolição autorizada
O dia 3 de janeiro de 1993 marca a última sessão exibida na tela do Cine ópera, quando algumas dezenas de pessoas assistiram a Drácula de Bram Stoker, dirigido por Francis Ford Coppola. Foi o ponto final após alguns anos em estado de alerta, com diversas tentativas de revigorar a sala mais icônica de Caxias do Sul. Numa dessas tentativas, em 1991, uma apresentação da ópera Barbeiro de Sevilha, com apoio da UCS e CIC, reuniu duas mil pessoas, que fizeram um abraço coletivo ao prédio.
As disputas judiciais e desacordos, no entanto, falaram mais alto e o prédio, já sem uso, passou a servir de abrigo para pessoas sem teto. Mesmo coberto por tapumes, a degradação se tornou evidente. Por isso, não chegou a ser exatamente surpreendente o desfecho trágico, quando, às 4h40min da madrugada de 24 de dezembro de 1994, o Corpo de Bombeiros foi chamado para atender a um chamado de incêndio no antigo cinema. Não era o primeiro, pois à época soldados relataram ter atendido a outras três ocorrências de incêndio parcial no prédio, mas era o definitivo
Foram pelo menos duas horas em que 14 bombeiros combateram as chamas, até que o fogo fosse controlado. A causa do incêndio nunca foi esclarecida, provavelmente nunca se saberá se foi criminoso ou acidente, provocado por curto-circuito, por exemplo. Uma ordem judicial de demolição, solicitada pela dona do prédio, Gilse Muratore, havia recém sido concedida e o pedido foi protocolado na prefeitura no dia 19 de dezembro, segundo afirmou à época o prefeito Mário Vanin. A intenção era iniciar a demolição em janeiro de 1995.