Enquanto ainda lidam com os efeitos provocados pela falta de chuva, municípios gaúchos começaram, ao menos, a receber um alento: a liberação de recursos pelo governo federal. Desde novembro, a Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil (Sedec), do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), autorizou repasse de R$ 445.118,96 para 21 cidades.
No total, R$ 177.869,31 já foram pagos a 10 municípios. Mais R$ 267.649,65 devem ser repassados em breve, depende apenas do fluxo de operação. As prefeituras de Manoel Viana, na Fronteira Oeste, e de Viadutos, no Norte, se repetem nas listas porque recebem dois repasses diferentes (veja a relação das cidades contempladas abaixo).
Em Manoel Viana, 80% da lavoura de soja precisou ser replantada ou plantada tardiamente, o que atrasou o processo. Também houve falta de água no interior, e a prefeitura ainda distribui água com caminhões-pipa duas vezes por semana. A verba que já chegou foi usada para a compra de cestas básicas.
— Tem famílias que dependem diretamente da sua produção, do produto da agricultura familiar, e que tiveram perda total. Para esses, tivemos que distribuir cestas básicas, e boa parte disso foi com subsídio federal. Foram mais de 300 cestas básicas subsidiadas. (O recurso) Não é suficiente, está longe disso, mas com certeza foi importante — relata o prefeito Gustavo Medeiros.
Já em Viadutos, a prefeitura precisou levar água para o consumo de animais por mais de dois meses. Para a população, atualmente, não há mais problemas de abastecimento, mas o plano é comprar reservatórios que possam ser usados em caso de nova falta de água. Segundo o prefeito Claiton dos Santos Brum, as perdas na agricultura são o que mais chama a atenção:
— Praticamente 80% da lavoura de milho foi perdida. A soja muitos agricultores plantaram e tiveram que replantar, mas também houve perdas. Nosso município é 75% dependente da renda agrícola.
De 27 de outubro de 2020 até a tarde desta terça-feira (5), 112 municípios gaúchos já haviam decretado situação de emergência por conta da estiagem — a maioria está localizada nas regiões Norte e Noroeste. Destes, 90 tiveram a homologação pelo Estado, e 86 dos decretos foram reconhecidos pela União — etapa necessária para a liberação de recursos. A lista está disponível no site da Defesa Civil.
— Estamos monitorando em tempo real a situação climática, junto com outras secretarias. Também estamos com ata de registro de preços para adquirir reservatórios de água para atender um maior número de municípios. Temos 42, que estão sendo emprestados para os municípios em situação mais grave — reforça o coordenador da Defesa Civil do RS, coronel Júlio Cesar Rocha Lopes.
Baixo nível dos rios
A falta de chuva influencia diretamente no nível dos rios, que estão baixos em praticamente todo o Rio Grande do Sul. Monitoramento da Sala de Situação da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Sema) indica que 18 bacias hidrográficas estão em alerta para a baixa disponibilidade hídrica.
Na do Guaíba, por exemplo, é possível avistar bancos de areia. Além desta, as demais bacias que enfrentam baixo nível são Camaquã, Santa Maria, Negro, Ibicuí, Butuí-Icamaquã, Piratinim, Ijuí, Turvo-Santa Rosa-Santo Cristo, Passo Fundo, Várzea, Vacacaí-Vacacaí Mirim, Pardo, Baixo Jacuí, Caí, Sinos, Gravataí e Rio Uruguai.
— Em alguns casos, é um pouco mais complicado, porque são bacias onde há maior necessidade de água, que é o caso do Rio Gravataí, que abastece mais de 500 mil habitantes. A baixa disponibilidade hídrica, além da quantidade, pode afetar também a qualidade. Exige mais do tratamento da água — explica o hidrólogo Lucas Giacomelli, da Sala de Situação da Sema.
Mesmo com as cheias registradas em junho e julho no Rio Grande do Sul, o acumulado do ano é inferior à média, o que afeta a recarga de bacias gaúchas.
— Temos déficits hídricos bem grandes. Em alguns meses houve chuva, mas ela ficou abaixo do que se esperava anualmente. As chuvas que vêm agora até amenizam a situação em alguns pontos, mas é irregular e pouco volumosa — alerta Giacomelli.
A meteorologista da Somar Maria Clara Sassaki explica que o Estado está sob influência do fenômeno La Niña, que deve continuar até o fim do verão. Assim, tem chuva irregular e abaixo da média, o que deve ocorrer, pelo menos, até março.
— A chuva evapora rápido, não chega nos mananciais e reservatórios. Não há previsão de chuva significativa que reverta esta situação, pelo menos até março. As regiões da Serra e do Litoral Norte até recebem um volume um pouco maior, mas outras áreas recebem a chuva muito pontual.
Segundo a Corsan, não é necessário fazer racionamento em nenhum município sob sua responsabilidade. Em alguns casos pontuais, a empresa usa caminhões-pipa para encher os reservatórios e completar o abastecimento. Isso ocorre nos dias em que há alto consumo.
Maior número de focos de incêndio dos últimos 14 anos
O período de estiagem também contribui, em alguns casos, para o aumento do número de queimadas — como a vegetação fica seca, o fogo se espalha mais rapidamente. Em 2020, o Rio Grande do Sul registrou 3.612 focos ativos de incêndio, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O número é o maior em 14 anos e só não supera 2006. Naquele ano, foram 4.116 registros.
Segundo Maria Clara Sassaki, a falta de chuva não necessariamente vai influenciar em alto número de queimadas nos próximos meses.
— O pico dos focos de queimada foi quanto tínhamos uma temperatura muito elevada. Agora temos um fluxo de umidade um pouco maior. Mesmo que não haja chuva, a umidade atrapalha a formação de focos de incêndio. Não vão cessar totalmente, mas devem acontecer com menos frequência.
Cidades que já receberam recursos
- Cacique Doble: R$ 11.160,00
- Cândido Godói: R$ 15.480,82
- Crissiumal: R$ 18.876,69
- Doutor Maurício Cardoso: R$ 11.160,00
- Manoel Viana: R$ 31.257,60
- Ponte Preta: R$ 13.138,00
- Porto Vera Cruz: R$ 14.338,00
- Roque Gonzales: R$ 16.147,80
- Três Arroios: R$ 17.510,40
- Viadutos: R$ 28.800,00
Cidades que já tiveram recursos liberados e aguardam envio
- Barra do Rio Azul: R$ 30.000,00
- Caiçara: R$ 12.640,00
- Campina das Missões: R$ 8.680,00
- Giruá: R$ 15.957,45
- Humaitá: R$ 51.160,00
- Manoel Viana: R$ 22.320,00
- Marcelino Ramos: R$ 22.682,40
- Porto Lucena: R$ 20.135,00
- Salvador das Missões: R$ 30.000,00
- São Paulo das Missões: R$ 7.304,88
- São Pedro do Butiá: R$ 20.473,92
- Severiano de Almeida: R$ 16.740,00
- Viadutos: R$ 9.556,00