Bagé: sem água por 15 horas diárias
Barragens praticamente secas, expondo o chão de terra craquelado, se tornaram uma paisagem comum no Rio Grande do Sul ao longo de 2020. O baixo nível dos reservatórios fez com que diversos municípios enfrentassem dificuldades para garantir o abastecimento de água aos seus moradores. Um dos casos mais emblemáticos é o de Bagé, cidade de 120 mil habitantes, na Campanha, que desde março opta por racionar o fornecimento. O objetivo é evitar o colapso completo do sistema.
Inicialmente, os moradores tinham acesso à água por 12 horas diárias. No entanto, após a pandemia de coronavírus, com o aumento do número de pessoas dentro de casa e o reforço nos hábitos de higiene pessoal, o consumo se intensificou, enquanto as fontes da cidade seguiam em níveis críticos. Em maio, o Departamento de Água, Arroios e Esgoto (DAEB) decidiu aumentar a restrição para 15 horas.
Desde a implementação do racionamento, a jornalista Munique Monteiro e sua família viram a rotina mudar drasticamente. Logo no início das limitações, o problema foi agravado na região central, onde Munique mora, por conta do rompimento de uma adutora. Foram cinco dias sem uma gota d'água sair da torneira em março, justo quando a pandemia de covid-19 avançava ao seu lado. A Santa Casa de Bagé, um dos primeiros focos da doença no Estado, fica a cerca de 50 metros da casa de Munique.
- Ficamos bastante apavorados. Com todas as informações que nos chegavam sobre a doença, não tínhamos água nem para lavar as mãos - lembra.
A saída era buscar água em um clube da cidade. No entanto, assim que o problema da adutora foi resolvido, novas complicações apareceram. Com a extensão do racionamento, a água não vinha com força suficiente para subir até a caixa d'água - saía apenas de uma torneira no pátio. Assim, Munique e o marido acordavam antes das 7h para encher baldes e recipientes e garantir o abastecimento.
Nas últimas semanas, a aquisição de uma bomba hidráulica vem auxiliando o abastecimento da caixa d'água, o que atenua a menor disponibilidade decorrente do racionamento.
Camaquã: abastecimento crítico nas comunidades
A chegada de um ano novo geralmente é motivo de celebração e esperança, mas, para os moradores de Camaquã, no Sul, 2020 começou em forma de pesadelo. Logo no primeiro dia útil, a prefeitura decidiu decretar emergência por causa da estiagem, que passou a dar as caras ainda em novembro de 2019. O calor intenso e a irregularidade na chuva nos meses seguintes agravaram a situação de abastecimento entre os 66 mil moradores, principalmente nas comunidades mais carentes da cidade.
Na localidade de Granja Emília, no interior de Camaquã, os moradores chegaram a ficar quase 30 dias, em março, sem o fornecimento de água. Moradora da comunidade, a autônoma Helena Meireles teve de se desdobrar para garantir o necessário para as tarefas do dia a dia, como cozinhar e lavar roupa.
Ela obtinha parte da água em um poço artesiano próximo de onde reside com o marido e dois filhos, outra parcela vinha da caixa d'água de casa de sua mãe e enchia garrafas até mesmo no salão de beleza onde trabalha no perímetro urbano da cidade.
- Neste ano fomos bastante abalados, principalmente depois do coronavírus, quando tivemos que ficar mais em casa. Em vários dias víamos a água saindo fraca da torneira - recorda Helena.
Para atenuar o problema, a Defesa Civil encaminhou 16 caixas d'água para serem distribuídas em Camaquã. Helena recebeu uma delas e deverá instalá-la nos próximos dias. Também foram enviados para o município cestas básicas e reservatórios móveis para ajudar no abastecimento.
Garibaldi: multa para o desperdício de água
A dificuldade em garantir o fornecimento de água para a população levou diversos municípios gaúchos a adotarem medidas para evitar o desperdício. Em Garibaldi, na Serra, a prefeitura publicou decreto para proibir o uso para tarefas de limpeza em larga escala, após a única barragem disponível chegar a um nível crítico. Quem lavar telhados, veículos e calçadas, abastecer piscinas ou irrigar jardins usando a rede pública está sujeito a multa. A administração garante que, até o momento, ninguém foi penalizado.
Sem poder captar água suficiente da barragem, Garibaldi é uma das 16 cidades abastecidas atualmente com caminhões-pipa pela Corsan. A situação delicada levou boa parte dos 35 mil habitantes a repensarem o uso do líquido. É o caso do agricultor Marcos Agostini.
- Nunca fomos de esbanjar água, mas mudamos hábitos. Não lavamos mais carros, máquinas agrícolas e nem a calçada - reconhece.
No campo, a estiagem ainda afetou a produção de uva, principal atividade agrícola do município. Nos oito hectares de sua propriedade, Agostini colheu 210 toneladas, quebra de 20% em relação ao ano passado. Por outro lado, o calor intenso deixou a fruta com maior teor de açúcar, melhorando a remuneração paga ao viticultor pelo produto.
-Tivemos perda na quantidade, mas isso acabou sendo compensado pela qualidade da uvas. Foi uma das melhores safras que colhemos nos últimos anos - pondera.