Chuvisca: primeira a decretar emergência
Ainda que a estiagem tenha se intensificado a partir de janeiro no Estado, os primeiros sintomas do problema começaram a aparecer ainda no final de 2019. A partir de novembro, a chuva começou a ocorrer de forma irregular, principalmente na Metade Sul. E foi um município dessa região o primeiro a decretar emergência no Rio Grande do Sul, ainda em 23 de dezembro do ano passado. Trata-se de Chuvisca, a cidade gaúcha que sofre há mais tempo com o clima adverso.
O agricultor João Pedro Kleinowski lembra que o município, com 5,4 mil habitantes, não teve um único milímetro de chuva entre 14 de novembro e 20 dezembro. Depois, um novo período prologando sem precipitação ocorreu entre 31 de janeiro e 18 de março. Por fim, um outro ciclo adverso aconteceu entre 2 de abril e 12 de maio. A precisão de Kleinowski ao relatar a extensão da estiagem não é à toa. Ele anota em um caderno todos os acumulados diários de chuva.
- Já passamos por secas em anos anteriores, mas nunca tinha visto uma estiagem tão prolongada assim. Neste ano, o tempo ficava seco, chovia e parecia que ia ficar tudo bem. Aí depois voltava a ficar seco de novo - descreve.
Na propriedade de Kleinowski, a produção de tabaco foi a principal afetada. No fumo, parte das folhas ficaram amareladas e não conseguiram se desenvolver. A qualidade do produto colhido também caiu. Ao todo, a safra não passou de oito arrobas a cada mil pés. No ano passado, ficava na faixa entre 10 e 12 arrobas por mil pés.
A colheita menor se reflete em queda no valor pago pela indústria e, segundo o produtor, isso vai requerer uma mudança nos planos da família. A ideia era adquirir maquinário para próxima safra e também fazer uma viagem férias. Ambos os planos já foram cancelados.
Pantano Grande: safra acabou, mas as dívidas permanecem
Assim como todo produtor rural no Rio Grande do Sul, Lourenço Bergmann esperava uma supersafra de grãos neste ano. Mirando o lucro na colheita de soja, buscou financiamento em banco, ainda em 2019, para preparar o cultivo em 50 hectares em Pantano Grande, no Vale do Rio Pardo. Além disso, custeou com recursos próprios o plantio em outros 57 hectares arrendados no município de 9 mil habitantes.
A falta de chuva e o excesso de calor fizeram os planos de Bergmann cair por terra. Com a colheita já terminada, o balanço é de que a safra não poderia ter sido pior. O agricultor obteve, em média, oito sacas por hectare, quando em safras passadas retirava em torno de 50 sacas. Isso nos locais em que foi possível colher. Parte da área arrendada o produtor devolveu aos donos antecipadamente, por causa do desenvolvimento falho das lavouras.
- É um baita prejuízo, não sei quanto tempo vou levar pra me recuperar - constata Bergmann.
A safra passou e as dívidas permanecem. O produtor ainda pensa em maneiras para pagar a conta deixada pelo efeito da estiagem. Uma possibilidade é o plantio de trigo no inverno. Mas, para isso, seria necessário ganhar os insumos de uma cooperativa da região, já que não há mais recursos próprios para investir.
Bergmann só não ficou sem água para consumo próprio porque tem um poço artesiano na propriedade rural. A situação no município, porém, se tornou crítica. A Defesa Civil chegou a enviar caixas d'água e cestas bascas para a população mais atingida. Além disso, a prefeitura recebeu reservatórios móveis emprestados para garantir o abastecimento.
Santana da Boa Vista: a maior quebra da safra de soja no RS
Principal cultura de verão e um dos motores da economia de muitos municípios gaúchos, a soja teve sua produtividade comprometida pela estiagem. Na contramão do Brasil, que deve colher uma safra recorde de grãos, o Rio Grande do Sul tem perspectiva de queda de 40% na produção da oleaginosa, conforme dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Ao todo, o Estado deverá obter 11,43 milhões de toneladas, cerca de 8 milhões de toneladas a menos do que no ciclo anterior.
Localizada no Sul, a pequena Santana da Boa Vista apresenta a maior perda de produtividade no Estado, chegando a 90%, de acordo com a Emater. No município de 8 mil habitantes, com 35 mil hectares de soja, a produtividade média não passou de cinco sacas por hectare. Algumas lavouras sequer produziram nesta safra devido à falta de chuva. Em anos normais, a produtividade fica entre 40 e 50 sacas por hectare.
- É a pior safra que já colhi - sentencia o agricultor Alceu da Silva.
Com 10 hectares de soja, Silva teve produtividade média de seis sacas por hectare. O montante colhido nem sequer paga as contas relativas ao custo de produção. Por isso, o agricultor acionou o seguro agrícola e agora aguarda uma resposta, mantendo a esperança de atenuar o prejuízo deste ano.
Além da quebra no campo, única fonte de renda da família, há dificuldade em conseguir água para as vacas e para consumo humano, já que os arroios próximos da propriedade secaram. A situação não chega ao desabastecimento total porque a prefeitura leva água periodicamente para as áreas mais atingidas do município.
Vale do Sol: nem a irrigação garante a safra
Em anos de estiagem, a importância do investimento em irrigação para driblar as adversidades climáticas sempre volta à tona na agricultura. Mas, desta vez, até quem já dispõe do sistema sentiu os impactos do tempo adverso. Nem mesmo os três açudes deram conta da demanda hídrica na propriedade de Jair Butzke, localizada em Vale do Sol, no Vale do Rio Pardo. Com isso, a colheita nos cinco hectares de aipim e pepino foi prejudicada pelo calor em excesso e a falta de chuva.
- Ficamos muito tempo sem chuva e os açudes acabaram completamente secos. Eu dependia dessa água para irrigar - aponta.
Butzke deve colher 20 toneladas de aipim, quebra de 80% em relação ao ano anterior. No pepino, a produção se manteve estável em duas toneladas. Dono de uma agroindústria familiar que beneficia os alimentos, o produtor havia comprado uma caminhonete para fazer as entregas do produto. Com o prejuízo na lavoura, Butzke se vê com dificuldades para pagar as parcelas e deve procurar o banco para refinanciar o veículo. Além disso, decidiu que não irá contratar funcionários temporários para fazer as embalagens e conservas.
- Contratava em torno de 10 diaristas todos os anos, mas agora não vai ser possível - lamenta.
A situação só não é pior porque o produtor tem recebido água em caminhão-pipa da prefeitura. Desde março, o município de 11 mil habitantes também passa por racionamento, com fornecimento cortado entre 21h e 8h.