Maior cidade da região da Campanha, com 120 mil habitantes, Bagé enfrenta um drama singular no enfrentamento à epidemia de covid-19: os dois primeiros casos confirmados da doença atingiram a direção da Santa Casa de Caridade, principal hospital do município. Há pelo menos outros 18 casos suspeitos, muitos deles médicos e funcionários da instituição. Cerca de 200 pessoas estão em isolamento domiciliar.
A suspeita de que o coronavírus possa ter se disseminado a partir da comunidade sanitária assusta a população e mobiliza as autoridades. O provedor da instituição, o médico ortopedista Jorge Moussa, está internado em Porto Alegre, em estado estável, e o diretor-administrativo, Raul Vallandro, está em casa, sob quarentena.
Paciente número zero do surto na cidade, pelo menos nas estatísticas oficiais, Moussa estava no Rio de Janeiro, em férias, e retornou a Bagé há três semanas. Principal referência na saúde local, logo se uniu à força-tarefa criada para combater a doença. Por conta da atividade, manteve encontros com técnicos, políticos e outros profissionais de saúde. Na Santa Casa, coordenou uma reunião com todos os funcionários.
Ao apresentar os primeiros sintomas, foi atendido no Pronto-Socorro e logo internado na UTI. A pedido da família, na quinta-feira (19) foi transferido para Porto Alegre. Desde que surgiram as suspeitas de que estava infectado com o coronavírus, a prefeitura passou a mapear todas as pessoas que mantiveram contato com ele. Quase todas já estão sendo monitoradas - 80 na comunidade médica (50 na Santa Casa e outros 30 na 7ª Coordenadoria Regional de Saúde).
Para tentar frear a proliferação da doença, o prefeito Divaldo Lara (PTB) emitiu um dos decretos de calamidade pública mais severos do Estado. Praticamente todos os estabelecimentos comerciais foram obrigados a fechar as portas. Só é permitido o funcionamento de farmácias, supermercados, postos de gasolina e agências bancárias. Bares e restaurantes estão limitados a operar com tele-entregas e as clínicas de saúde podem ter funcionários e equipamentos requisitados.
— Estamos na segunda etapa do nosso plano de contingência. Se alcançarmos 10 casos confirmados, vamos aumentar as restrições — salienta o prefeito.
Prefeitura antecipa vacinação
Na manhã deste sábado (21), a prefeitura começa a vacinar a população idosa contra gripe e pneumonia. Barracas foram montadas no entorno da Unidade de Pronto-Atendimento (UPAS) para distribuição das primeiras 5 mil doses. O objetivo é imunizar 20 mil moradores contra a gripe e 5 mil contra pneumonia. O Exército cedeu homens e equipamentos e já disponibilizou o hospital militar da cidade para operar como unidade de campanha caso seja necessário.
O decreto da prefeitura proibiu o ingresso e a circulação de ônibus interestaduais no município. Três veículos vindos de São Paulo já foram barrados e todos os passageiros passaram por vistoria médica, com medição de temperatura e estão sob quarentena.
— Se tivermos algum óbito, vou fechar a cidade. Não podemos correr mais riscos — avisa o prefeito.
Outro desafio é manter o fornecimento de água. Com dificuldades históricas de abastecimento, a rede sofreu ruptura em uma das adutoras nos últimas dias. O problema foi resolvido, mas se não chover nos próximos dias a previsão é de que em uma semana comece o racionamento, com somente metade das residências recebendo água a cada 12 horas.
À frente de um comitê de crise, Divaldo apela ao governos do Estado e federal por liberação de recursos. Segundo o prefeito, somente a Secretaria Estadual de Saúde mantém débitos no total de R$ 6 milhões com o município. Divaldo calcula que precisaria de um cifra em torno de R$ 10 milhões a R$ 15 milhões para compra de equipamentos hospitalares, contratação de profissionais, medicamentos e ações de prevenção.
— Além dos recursos do Estado, estou pedindo ao Ministério da Cidadania, ao ministro Onyx (Lorenzoni), que nos ajude com cestas básicas para as famílias carentes. Muitos trabalhadores autônomos não estão trabalhando e precisam de sustento. Hoje mesmo estou comprando 4 mil toneladas de arroz para distribuir à população mais vulnerável. Mais do que ações em papel, precisamos que os governos estadual e federal liberem recursos aos municípios — pontua.