Um dia após o governo Eduardo Leite prorrogar por quatro anos o prazo para estabelecimentos se adequarem à Lei Kiss, três entidades que representam categorias profissionais emitiram nota conjunta repudiando a decisão. Na manifestação, o Sindicato dos Engenheiros (Senge-RS), o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Estado (Crea-RS) e o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Estado (Cau/RS) afirmam que Leite "acabou curvando-se aos setores econômicos mais fortes do Estado e editou um decreto que apenas empurra a exigência do cumprimento da Lei Kiss para a frente".
No texto, as três entidades afirmam que o governo do Estado, ao prorrogar os prazos, está "protegendo os omissos, bonificando os inertes e mantendo a população em permanente situação de risco". A nota ainda sugere ação dos deputados estaduais, ao afirmar que "o protagonismo retorna novamente à Assembleia Legislativa, a quem cabe a competência para redefinir parâmetros normativos e antecipar criteriosamente os prazos" (leia íntegra ao final).
Nesta semana, o governador publicou decreto em que prorroga até dezembro de 2023 o prazo para que todas as edificações instalarem as medidas necessárias de segurança e obterem o alvará do Corpo de Bombeiros. O prazo anterior venceria nesta sexta-feira (27).
O decreto também prevê que os responsáveis pelas edificações têm até 27 de dezembro de 2021 para apresentar o Plano de Prevenção contra Incêndio (PPCI), documento que passa por avaliação dos Bombeiros para posterior emissão do alvará. A ampliação dos prazos não vale para edificações de casas noturnas.
As instalações com baixo risco não dependem de PPCI e vistoria. Nesses casos, há duas formas de licença online: para edificações com até 200 metros quadrados e dois pavimentos é exigido o Certificado de Licenciamento do Corpo de Bombeiros (CLCB); para prédios com até 750 metros quadrados e três pavimentos, é necessário o Plano Simplificado de Prevenção e Proteção Contra incêndio (PSPCI).
Apelidada de Lei Kiss, a legislação alterando as regras de proteção contra incêndios foi aprovada pela Assembleia em 2014, após a tragédia ocorrida no início daquele ano e que matou 242 pessoas na boate Kiss, em Santa Maria, na Região Central. A regulamentação da lei ocorreu em setembro de 2014. Em 2016, um novo texto, flexibilizando a lei original, foi aprovado, e o prazo para adequações foi ampliado de 2018 para 2019.
Leia a íntegra da nota emitida por Senge-RS, Crea-RS e Cau/RS
Desde que a Lei Kiss passou a viger, em 2013, Engenheiros e Arquitetos e Urbanistas de todo o Estado vem alertando para o tratamento dado pelo setor público e pelo setor privado ao tema da segurança contra incêndios. Este alerta, sempre chancelado pelas instituições e entidades firmatárias, se deu no sentido de informar à população e às maiores autoridades do Estado de que estava se atuando de forma irresponsável e negligente.
Sempre advertimos os governos e a sociedade que lidávamos com um problema de caráter sistêmico grave e que de nada adiantaria o denuncismo ou a exigência de que as autoridades atuassem como se tomados por uma sanha punitiva.
Todavia, nunca nos dispusemos a ser omissos e nem compactuar com a omissão.
Hoje, 2019, é fato inequívoco que a quase totalidade das escolas, hospitais, edifícios comerciais e de moradia, entre outras edificações públicas e privadas, sequer deram início à elaboração dos Planos de PPCI.
Nestes seis anos, fizemos bem mais do que simplesmente reclamar. Diversos foram os alertas, os pronunciamentos e os encontros profissionais e com autoridades em que nossas observações foram efetuadas. Fizemos seminários técnicos sobre o tema, de caráter nacional, inclusive. Buscamos o Governador para alcançar a ele uma minuta de decreto elaborada por técnicos altamente capacitados para lidar com o tema de forma qualificada e afastada dos interesses econômicos.
Infelizmente, porém, o Governo do Estado acabou curvando-se aos setores econômicos mais fortes do Estado e editou um decreto que apenas empurra a exigência do cumprimento da Lei Kiss para a frente, protegendo os omissos, bonificando os inertes e mantendo a população em permanente situação de risco.
Consideramos que o Governo perdeu uma grande oportunidade para sinalizar à sociedade que o tempo da negligência na prevenção de incêndios acabou e aliar-se ao esforço da Assembleia Legislativa em debater o tema por meio de Subcomissão para estudar alterações na Lei Kiss. Debatendo abertamente, poderíamos congregar esforços na busca da correção de distorções existentes na lei, na formação de um corpo técnico para os Bombeiros e na busca de financiamento para adequação de prédios públicos e de linhas de créditos para os pequenos e médios empresários adequarem seus estabelecimentos.
O protagonismo retorna novamente à Assembleia Legislativa, a quem cabe a competência para redefinir parâmetros normativos e antecipar criteriosamente os prazos de cumprimento, garantindo à sociedade a segurança que precisa e merece.
Frente ao quadro agora estabelecido – que tem o potencial de criar novas tragédias – fazemos questão de reafirmar nosso compromisso com a vida da população e com a qualificação da segurança contra incêndio no nosso Estado, colocando-nos à disposição das autoridades e da sociedade para tratar do tema.