O Ministério Público (MP) do Rio Grande do Sul vai ampliar a investigação dos exames pré-câncer realizados pelas Unidas Básicas de Saúde (UBS) de Pelotas nos últimos anos. A promotora Rosely Machado afirmou, em coletiva de imprensa nesta terça-feira (19), que uma parte de todo o material coletado de 2014 até 2017 pela rede pública do município será reanalisado. No entanto, o percentual de amostras que será submetido a novos testes ainda não foi definido.
Na quinta-feira (14), o MP anunciou que o laudo preliminar do Instituto-Geral de Perícias (IGP) apontou que de 196 lâminas analisadas pelo IGP, 195 apontaram resultado concordante. A promotora destacou que o único exame discordante está dentro da margem de erro seguida pelos padrões médicos.
Segundo Rosely, até o momento, não há elemento que comprove que os exames eram realizados por amostragem. A partir de agora, ampliando o número de exames analisados, será possível dar um encaminhamento melhor à investigação.
- Não temos prova de que os exames foram realizados por amostragem. O IGP mostrou que as laminas analisadas estavam corretas dentro da margem de erro. Agora, com outras unidades básicas de saúde sendo analisadas, poderemos ter maior entendimento da situação – disse.
A promotora afirmou que uma possível presença de fungos nos materiais coletados pelos médicos e analisados pelo laboratório pode comprometer o resultado dos exames:
- Muitas vezes, o fungo presente não mostra se há a presença de células cancerígenas, e as mulheres acabam achando que não tem nada e não voltam ao hospital para fazer o devido procedimento. Isso pode comprometer qualquer tipo de exame.
O IGP irá definir ainda a porcentagem de amostras reexaminadas nas 51 UBSs nos últimos anos. Nas próximas semanas a prefeita de Pelotas, Paula Mascarenhas (PSDB) será ouvida pelo MPS, assim como os médicos e enfermeiros que realizaram as denúncias iniciais de que os exames eram realizados por amostragem.
Entenda o caso:
Em julho de 2017, seis profissionais de saúde da Unidade Básica de Saúde (UBS) Bom Jesus enviaram um memorando para a Secretaria de Saúde de Pelotas. No documento, era relatada a preocupação com os resultados de exames de pré-câncer analisados pelo laboratório Serviço Especializado em Ginecologia (SEG), de Pelotas. A preocupação era por conta que de janeiro de 2014 até junho de 2017 foram realizados, em média, 250 exames anuais, e todos resultados apontaram como negativos para malignidade. Em outros anos, a média era de 760 exames, e o número de pacientes com câncer foi em torno de 40.
No memorando, constava de forma sigilosa (só com as letras iniciais do nome) que a paciente ''I.A'' havia feito dois exames pré-câncer, em 2015 e 2017, apresentando lesão, mas cuja conclusão foi “negativo para malignidade”. A reportagem de GaúchaZH conseguiu ter acesso a paciente citada no documento e tratava-se da dona de casa, Ieda de Avila, 51 anos. Ieda contou que, em 2015, se submeteu à coleta de material e o resultado foi negativo.
No ano de 2016 ela fez novamente o procedimento, mas o exame sumiu e ela nunca viu o resultado. Em janeiro de 2017, voltou ao posto para novo exame. Durante a coleta, a médica percebeu alterações no colo do útero e indicou que consultasse um especialista. Após dois meses, ela realizou novos exames, que confirmaram a existência do câncer. Ieda morreu no dia 29 de novembro de 2018, em decorrência da doença.
CPI dos Exames
Em julho de 2018, a Câmara de Vereadores de Pelotas instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar suspeita de fraude nos exames. A comissão foi criada para investigar as denúncias feitas por médicos e enfermeiros que desconfiaram do resultado de exames do laboratório conveniado pela prefeitura de Pelotas.
Em setembro, o então presidente da comissão, vereador Marcos Ferreira (PT), anunciou a decisão de deixar a CPI. O motivo do abandono seria a ligação partidária do relator escolhido para a comissão, Enéias Clarindo (PSDB), com o governo.
O vereador Salvador Ribeiro (MDB) foi escolhido para ser presidente interino da comissão até que se definisse um novo comando, mas não aceitou permanecer. Com a indefinição em torno da presidência, a CPI foi encerrada sem qualquer resultado.
MP Investiga
O Ministério Publico do Rio Grande do Sul instaurou um inquérito para investigar as denúncias de que os exames eram realizados por amostragem. A partir disso, foram recolhidas 17 mil analisadas entre janeiro de 2017 e junho deste ano em Pelotas. A medida fez parte da investigação aberta pela promotoria dos Direitos dos Idosos, Deficientes Físicos e Mentais e da Saúde Pública.
Os exames, contendo lâmina com materiais coletados, requisição do médico e o laudo do SEG foram transportados do laboratório e armazenados em local seguro, devendo ser utilizados como elementos de prova. No dia 14 de fevereiro de 2019, o IGP concluiu que de 196 lâminas examinadas no período de 2017 a 2018, e agora reanalisadas, 195 deram resultado concordante